RETRATO
Sou vaga que te afaga nos teus momentos de desespero.
Sou a tormenta das tuas águas profundas que balançam no teu descanso e no teu cansaço perdido.
Sou peito doído e a luz que te domina. Sou eu quem te espera, retém a tua paz e se alucina no beijo.
Sou a hora do agora, que sem demora, ou no meu sorriso torto, se faz amor, se forma ser, se purifica ou se embriaga.
Mas sou vaga que te afaga nos teus momentos de chegar aflita e devagar. Sou o vagar do teu gesto, o princípio sem resto e um sonho que passou por passar.
Sou tua poesia, o poema que me profana, a palavra que te chama para o sol da manhã. Sou teu encontro, teu chegar a canaã e sou a tua jura na impura solidão dos meus delírios. E sou os campos, os lírios tantos e inexistentes.
Sou a esperança demente mas tantas vezes inocente, sou o só, o nó cego que não desata nunca, sou nada ou tudo, sou voz ou mudo, um grito solto, atravessado, sonhado, envolto, parado no mar.
Sou a lembrança que não inflama a agonia, mas que me pede mais um dia quando a vida já não mais me acolhe e eu já não te vejo. E, por favor, agora não me olhe.