Que o amor fosse árvore
Que o amor fosse árvore,
Que fluísse e se espalhasse
Em galhos tortos
(perfeitos por serem tortos)
E que dessa disformidade,
Desse estranho esparramar-se
Surgissem folhas desarranjadas;
E surgissem folhas e frutos doces;
E folhas e frutos e perfumes ácidos.
Que tal árvore se desse ao vento,
Ao sol, à lua, às mulheres e aos homens,
Como quem se dá sem medos a mil amantes,
Porque seus pés seriam raízes
Fincadas à terra fofa e envolvente.
Que possuísse as semelhanças díspares
De todas as árvores de todas as florestas,
Mas que retivesse o exotismo raro de seu fruto.
Que em sua casca se tatuassem nomes
E sangrassem lentidões de afetos.
Que a sua sombra fosse bastião,
Onde os amantes se doassem sem riscos,
Modelando-se pelos dedos solertes,
Tão ágeis, quanto tímidos e pecadores.
Que se sujeitasse ao machado
(primórdio símbolo de destruição)
Para ser lapidado, mostrado cerne vivo,
Modelado pela faina descuidada do lenhador.
Que o amor fosse árvore,
No alongar de sua assimetria,
Que já não se conformasse
Com os limites insofismáveis
Das sementes em sacarias dos armazéns.