SE EU DE VÓS ME ESQUECER
           REPUBLICAÇÃO - Escrito em 2012
 



 
Se eu de vós me esquecer
que  fazer do olhar
diante da paineira sempre
na praça junto da janela
 

da paineira
a quem dei vosso nome
para quem escrevi um livro
a louvar suas flores do outono
 

as flores do outono
que em um abril longínquo
começastes a escrever para mim.
 

Se eu de vós me esquecer
que fazer dos crepúsculos
há eternidades
 

me trazendo à presença
o vosso vulto
 

com os sonhos que eram só nossos
até que o mundo o soubesse
e os pusesse a sangrar
aos nossos sonhos
 

mortos
que não conseguem morrer
(ao menos em mim).
 

Se eu de vós me esquecer
que fazer dos fados
dos tangos
dos boleros
 

de certas modinhas
de certas valsas
de certas canções
de certos sambas
de certos concertos
de certas sonatas

 

de certos violinos
de certas flautas
de certos violões
de certas guitarras
de certos pianos


de tempos tantos de músicas
que me circulam no sangue
com a raiz do vosso nome.
 

Se eu de vós me esquecer
que fazer das madrugadas
em que vos enviava
do meu canto solitário
 

as palavras
os silêncios
 

que colhíeis
como flores
e oceanos
e aldeias de quintas perdidas.
 

Se eu de vós me esquecer
que fazer dos filmes
que contam
 

pedaços da nossa história
desta nossa história
 

sem claros começos
sem claro centro
só de epílogos sem fim.
 

Se eu de vós me esquecer
que fazer do canto dos pássaros
lá fora
 

e do pássaro que canta
ainda, assim melancolicamente,
dentro de mim.
 

Se eu de vós me esquecer
que fazer da estrela d’alva
e da estrela d’alma
 

e das manhãs de sol
e das manhãs de chuva
e das lágrimas
e do vento
e do relógio
que nos escondia do mundo
 

Se eu de vós me esquecer
como olhar os quadros
que lembram vossos traços
 

vossas cores
vossas sombras
vossa exaustão das formas
dos silêncios
vossas desistências e fugas
para os campos imaginários.
 

Se eu de vós me esquecer
como esquecer dos livros nas estantes
dos poemas
das prosas
 

dos delírios
dos soluços
dos pavores
dos ciúmes
dos quase assassinatos por amor
dos renascimentos por amor.
 

Se eu de vós me esquecer
como voltar a ler
os vossos poemas de amor.
 

Se eu de vós me esquecer
como voltar a ler
os meus poemas de amor.
 

Se eu de vós me esquecer
só  viver a prantear
meus  futuros natimortos
poemas de amor.
 

Se eu de vós me esquecer
 

dizei- me
o que faço
 

para não perder
a presença de mim
 

para não perder
a lembrança da presença de mim...
 


 
Nota de 15 de julho de 2015. Re-cord-ar é uma dádiva dos deuses, para alguns a única coisa que lhes resta...Bem... a quase única...