derivativos de uma lullaby
já com um pouco de sono,
você se depara com o choro dele;
vai até ao berço e vê os olhinhos enrugados,
as mãozinhas pra cima, ouve seus soluços
quando seus olhos com os dele se encontram,
pra depois nova retomada do choro;
a boca é igual à da mãe, que já ronca na cama;
o nariz lembra o seu, que felizmente você não é o Bentinho;
um arremedo de sobrancelhas;
no joelho e na batata da perna, seus dedos parecem deslizar
sobre a pele lisinha – tudo isso só você pode sentir,
você ou quem tem um filho – que
a moradora do condomínio de luxo,
devidamente cheirada, grita com a empregada
para que cale a boca desse menino,
ou que a moradora da favela,
devidamente cheirada,
ameaça jogar o menino pela janela
pra que alguém cuide dela;
você pega o bebê, leva-o até à cozinha,
quando volta ao quarto ele já dormiu
no seu colo; uma vontade de beijar aquele
rostinho sereno e inofensivo; mas
não devo acordá-lo, encrenca de novo, não;
depois de coloca-lo no berço,
você, totalmente festivo, aconchega-se
à amada para um amor moderado,
com medo de que aquela vagina
recém acordada não umedeça
e não o faça perder a cabeça,
mas com toda a esperança de que
ao menos um instante a vida o esqueça...