MULHER DE CREME

Um par de luas negras brilha na divisão do abismo: balança da solidão.

A justiça sempre tardia abandona os homens num país oco

cujo único sinal de solidariedade é o eco.

O amor atraca o barco em praias degeneradas

cujas areias metálicas são o resto dum balé sobre o átomo.

A imaginação dos viajantes aprofunda o Atlas

até limites que ásperos interrompem sonhos.

Na rua de feiras subtraentes de condução

e subtraída de caminhos começa a mendicância de votos.

Dançamos sobre a divisa entre o caos dos números exatos

e a ordem botânica do silêncio.

Bailarinos distantes viajam aonde os barcos sumiam

sob as respostas endereçadas aos sonhos,

torcidos como conchas sonoras engasgadas pelas claves das rosas.

Terremotos rolam do céu.

Nenhum homem permaneceu com a máscara após o desfile

dos crimes frente ao Fórum inundado.

Meninos metálicos debulham o canto das sirenes.

Entre o jardim e a fome o mendigo pesca sereias.

Assim o sol uiva gargalhadas escorregadas

no abismo decorado para a festa e cresce amaciado

na língua da mulher de creme e lua nascida de uma clarineta

que adormeceu a tarde atrás da maternidade azul e apolítica

onde um semáforo leguminoso dirige o tráfego dos leões decrépitos

e anjos encapuzados. Galos de chamas iluminam o amanhecer

na hora dos sinos da carne badalarem nos ouvidos de granito

da cidade de Sincronização fraturada,

para que as ruas congelem os automóveis

e possamos nos encontrar embaixo da chuva

definindo o amor através do beijo dos beijos.