O (último) voo do Phoenix


Voei livre por sobre montanhas, encimadas
Por branca neve, tintas por rosa ao cair da tarde.
Voei alto, bem alto, junto à lua, perto das estrelas,
Soberano, querendo tocá-las, em minha loucura,
Através de nuvens pelo vento desfeitas e levadas,
Ao léu. Cantei meu canto tímido, sem alarde,
Procurei-a por recantos para atraí-la e, sem vê-la,
Vaguei pelo céu, pelos ares, em eterna procura;

Sobrevoei florestas e áridos campos, todos os dias,
Por sobre mares, lagos, esmaecidas flores, às tardes,
Cruzei desertos, estepes, cordilheiras, pampas, à noite
Debalde, olhos atentos em busca de sua luz, de um sinal.
Já há muito vagava, há séculos talvez e contudo persistia
Sentindo fluir em minhas asas a liberdade, mas, em verdade,
Era prisioneiro de minha eterna sina que, como um açoite,

Lembrava-me meu destino de efêmero e solitário, afinal.
Vaguei sem rumo, sem pouso, sem amores, retornando
Ao final de cada dia a meu leito vazio, cumprindo o rito,
Cobrindo-me com mágicas e aromáticas ervas
E consumindo-me em chamas até as cinzas, de onde renascia,
Para um novo ciclo de vida e morte, não a encontrando.

Mas eis porém que de repente, um dia, obra do destino
Talvez, afinal, eu a encontrei. Você também vagava só,
Em seu próprio mundo, em sua própria vida levada,
Ao sabor de ventos e por caminhos que não os meus.
E por suas mãos fui levado, enlevado como um menino,
Atraído por suas cores, por suas promessas, sem dó.
E por você cantei meu canto, chorei meu riso, você alçada
Ao mais íntimo de meu infinito, comigo, como um deus.

E voamos juntos, unos em nossa duplicidade,
Sonhamos juntos, envoltos por música celestial,
Bailamos no infinito de um sonho comum, unidos
Na mesma realidade de um novo tempo, perfeitos
Por sobre campos floridos, do alvorecer à tarde,
Quando nos recolhíamos ao nosso ninho, afinal,
Com você, prá você, por você, com amor construído
Cercado de flores, encoberto por pétalas, nosso leito

Mas, não sabia que era efêmero o que julgava eternidade...
E, ao despertar de mais uma noite de enlevado sonho,
Procuro em vão sua presença, não encontro seu calor,
Nem mesmo mais sinto seu perfume, vejo-me sozinho,
Você se foi... E, mais uma vez defronto-me com a realidade
E pela última vez lanço-me e flutuo nos ares, tristonho
Em meu último voo, cruzando o deserto da vida sem amor,
Sabendo que nunca mais a encontrarei em nosso ninho.

E voo não mais em sua busca, mas na de meu próprio destino,
Canto meu último canto - um canto de adeus - e com um gemido
Encubro-me com ervas e consumo-me no fogo de minha dor,
Até as cinzas, pois a viver sem seu amor, louco desatino,
Preferível não mais viver, não renascer por não mais ter sentido.
LHMignone
Enviado por LHMignone em 21/09/2005
Reeditado em 27/10/2016
Código do texto: T52505
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