Maternidade

Ontem eu quis ser mulher

E ser bicho, hormônio, um pouco de vadia

É porque tudo é tão monótono desse lado

Tudo tão azul, preto no branco, fiasco

Quero peitos rasgados de lactar

Dores insuportáveis de um eu bicho

Dar a luz sem anestesia, ser arredia

Xingar a todos e no fim do dia, ter o gozo

De amar sem poesia, lamber a cria

Ter a paz de um pós-parto, ser mãe

Criatura e cria

É que eu queria mesmo ter essa ousadia

De ser submissa durante o dia

Fazer homenagens por pura idolatria

Receber carinho, quem sabe um dia

Nunca foi esse o ponto, ser mulher é profissão

Ser luz, cego e ao mesmo tempo, guia

Poder cantar a minha trilha, rir sem motivo algum

Ser tola o suficiente para escrever poesia

E quando eu chorasse não seria fraqueza, mas algo

Intrínseco, do gênero, sensível sem ser marica

E um dia que eu quisesse me pintar, seria assim

Natural, e quando eu não quisesse eu voltaria a ser homem

Bruto, grosseiro, neutro, executivo, macho-alfa

E quando eu quisesse me perfumar seria fácil

Basta dar uma visita no meu jardim de recordações

Mãe, irmã, madrinha

Serei quantas vezes quiser, a rainha

Dos meus impérios de vontades, meias verdades

De um desses dias que por pura poesia, utopia

Pensei em ser mulher, e pude, por um momento

Sentir vibrar de verdade, um amor pela vida,

Pelas cores, pela maternidade

Gabriel Amorim 22/03/2015