agora é pra valer

tudo o que eu não preciso é dizer a verdade

ela é tudo o que menos me importa agora

é a varanda que a porta traz

é o vento que adentra a porta

a derrubar os porta-retratos

dúvida, porém, é o meu nome

e quem duvida é por que quer saber

mas eu não sei se quero saber

mas acho que preciso saber

não saber de pulsar e de quasar

e de buraco negro

e das dobras do espaço-tempo

e das sobras da pele do lagarto marinho

mas saber do rebelde lagarto-rei

eu soube

dos cantos viscerais

e dos solos de guitarra fiquei sabendo também

e também soube que existe maracatu rural

e velhos cantores cubanos de olhos marejados

e saber dos poetas exilados – eu soube

saber do cheiro do incenso do capim

amargo e doce

eletrocardiograma

os eletrodos em nossas auréolas

não disseram sobre nossas intenções

e o eletro-encefalograma

não nos disse o que freud

e tampouco jung

por que temos sonhado com migalhas

dilaceradas do dia-a-dia

e havíamos crido demais

– não quero mais crer

não quero mais descrer

eu quero é que se dispa agora mesmo

sem nenhum tipo de roupa

nem calcinha

nem vergonha

nem máscara

nem livros

nem vídeos

nem áureas

nem fantasmas

nem a velha dor na consciência

quero-te a mais nua das fêmeas

quero tua janela úmida

onde flua novas consciências

onde olhos sejam bolas de fogo

onde nossos corpos sejam gigantes

onde a cama seja a cidade em ruínas

onde a música seja o som dos asteróides

mas qual mulher é capaz de desnudar-se assim?

e qual homem?

quero sê-lo

e quero que percamos a consciência da nossa nudez

e nossa sanidade uma babel de hospícios

onde todos sabem a verdade

aquela de sócrates que não sabia de nada

não olhe pra trás

não se petrifique em sal grosso

vem comigo no meu carrossel

deixa eu ser o teu cavalo

deixa eu ser o teu barco

e faça dos meus braços os teu remos

chore comigo

em nosso oceano de lágrimas

sorria comigo no circo ultra-natural que armamos

somos palhaços, somos atores

somos parte do circo

vamos chutar o pau do nosso picadeiro

vamos deixar cair-nos a lona do céu

do céu que antes nos desprotegia

não somos desses que gostam de ver o mundo pegar fogo

por isso ateamos fogo em nossas carnes vivas

para salvarmos o mundo

salvarmos o mundo dos imbecis

com suas fábricas de verdade torta

com suas fábricas de geléia humana

que nem humana é mais

somos mais que humanos

somos mais que ‘stardust’

somos mais que ‘sapiens’

somos rebeldes viajando pra dentro de si

somos nossos próprios veículos

eu o teu

e tu, o meu

o meu carro de guerra

da minha guerra contra as super-mentiras

da minhas barricadas anti-super-verdade

pois não quero nem isso nem aquilo: eu já falei

o que eu quero é mais sério que mentira e verdade

o que eu quero é o alto da montanha

onde mentira e verdade sejam rios

que descem nos vales

à minha direita, à minha esquerda

o que eu quero é quase mais do eu que posso ou mereço

o que eu quero é quase loucura

o que eu quero é a mais pura sanidade

como ar puro que não conseguimos respirar

pois é puro demais pra nossa imundice

mas falo de outra sujeira

não falo dos nossos caldos viscosos

estes nada mais são

que óleo para nossos motores

nossas engrenagens

nós, os motores do mundo

nós, que movemos um mundo

do qual não nos sentimos moradores

mas o que somos?

somos máquinas?

somos árvores,

esgotos,

filtros,

lixões,

geleiras,

ou aquilo mesmo que os astrônomos dizem:

estrelas espatifadas?

estrelas que perderam a vocação para brilhar

restos de estrela que buscam se reagrupar a qualquer custo?

era sobre querer verdade ou mentira

esse é um dúbio querer que permanece

– sem verdades e mentiras agora

agora tire a roupa.

*

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 05/06/2007
Reeditado em 05/06/2007
Código do texto: T514432