De mãos dadas
Diante da janela aberta
onde a luz do verão invade tudo;
diante da gentil saudação do bem-ti-vi,
do assanhamento azulino do sanhaço
e do que me vai no coração,
vale repetir o verso de Drummond:
" Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."
Já que esse é tempo de partida,
já que esse é tempo de coração partido,
vamos de mãos dadas.
Se é preciso subir barrancos,
escalar montanhas,
abismos a transpor,
vendavais a resistir,
pedras a remover do caminho,
vamos de mãos dadas.
Porque não se pode perder a sensatez
em momentos críticos;
porque acima da verdade de cada um
está a verdade que nos é dado conhecer.
Vamos de mãos dadas
porque a arte de viver requer
muito empenho, e qualquer tempo
é tempo de tentar novos caminhos
e um ponto de equilíbrio.
Vamos de mãos dadas
para conservar a capacidade de amar,
amar apesar de toda dor,
vamos de mãos dadas
para que se apaguem as mágoas,
porque ainda se pode plantar flores,
catar conchas no mar e sonhar.
Vamos de mãos dadas, por aí...
recolher na alma as tulipas,
as turquesas e as águas marinhas...
Vamos de mãos dadas
para garantir a supremacia
do sonho e da poesia
sobre a aridez da realidade
e a crueldade do destino.
Vamos de mãos dadas, amor
pois este é o tempo de mãos dadas.
E se não fosse ficaria sendo,
porque neste instante o coração amoroso,
mas combalido entre as dores do mundo,
a melancolia das incertezas,
e a teimosia que sustenta sempre
as últimas esperanças, assim decreta:
"não nos afastemos muito,
vamos de mãos dadas."