Borra de café

Sei lá, nunca pensei que fosse implorar

Ou um dia mesmo ligar, é que é tão banal...

Tão normal querer tomar seu café

Mas quero também o cigarro e seus problemas

Seus cânceres deturpando tudo, enfisemas

E vai que eu me distraia e caia num poema

Vivendo nesse dilema, serei eu o autor

A rima que não encaixou, a redondilha menor

Uma interrogação, o trema...?

Pelos bares há lugares, e bancos, e mancos

Há flancos por todos as partes, os mártires

Onde estão? Onde estou? Quero ir a Marte

Antes de morrer, tá tudo tão azul enquanto

Você é terráquea, tudo nu, tudo cru, mando

O garçom voltar e esquentar, me esquentar...

Peço desculpas, Senhor, pelo disparate

Quem eu sou para mandar voltar?

Recolha-me de volta à minha insignificância

Ou mesmo me torna novo a infância

Hei de errar todas as vezes de novo

Até chorar e ao caderno confessar

Segredos de liquidificador...

E a nossa música, meu bem, nunca mais tocou

Até porque mudei de vida, só vejo TV

Onde só tinham olhos para você, ceguei

Onde você pisava embalsamei

Teus carinhos baratos troquei

Vê se me traz a conta, por favor

Já deu meia hora e eu aqui do lado de fora

Estou entrando demais em meu torpor

Sentado calado, perco noção do tempo

Acendo novamente meu cigarro

Cuspo duas vezes, é de praxe

O beijo, amigo, é uma consequência do escarro

Agora torno à casa, peito em brasa

Pode me queimar, e suja, e lambe

E leve, me leve daqui, quero amar

E tragar tuas fulguras, fumaças ao pé da lua

Serenatas, rosas escuras, coisas baratas assim

Não deu mais pra mim, perdi para ingratidão

E qualquer desculpa em vão, faça não

Pode ser o último gole do meu café amargo

Gabriel Amorim 01/11/2014