Ars amatoria
Um dia, desejando compor certo verso,
Não pude concentrar-me, pois estavas linda.
Mas não te preocupes – serás sempre bem-vinda,
Não importando o tempo ou lugar no universo.
Então,
Pensando em ti ao ocupar-me de poesia,
O útil ao agradável desejei juntar –
Algum soneto resolvi lhe dedicar
No qual a algo belo e uno a compararia.
“Uma rosa!”, pensei – mas eu me espetaria
Com seus cruéis espinhos a lhe circundar.
(E tal chavão dos versos, já tão milenar,
Talvez de tão banal a ti magoaria).
“Um anjo!”, pensei – mas tocar não poderia,
Com seu corpo de luz que não se pode amar.
(E tal chavão dos versos, já tão milenar,
Talvez de tão banal a ti magoaria).
“Uma estrela!”, pensei – mas distante estaria,
E há tantas iguais pelo espaço a flutuar!
(E tal chavão dos versos, já tão milenar,
Talvez de tão banal a ti magoaria).
“Uma fada!”, pensei – mas que fada haveria?
Não há fada-madrinha nem fada do mar.
(E tal chavão dos versos, já tão milenar,
Talvez de tão banal a ti magoaria).
“Uma rainha!”, pensei – porém qual seria?
Nenhuma rainha houve tão bela ao olhar.
(E tal chavão dos versos, já tão milenar,
Talvez de tão banal a ti magoaria).
“Uma mulher!”, pensei – e, de fato, o faria:
um soneto a mulher para te comparar.
(Tamanha lei dos versos, de tão milenar,
Se eu bem compusesse a ti sei que encantaria).
*****
Quando vos toco as mãos, ai, céus, não creio:
Como as minhas não são nem como as de meu pai.
À garganta, revela-se um anseio
De aos joelhos estar servil. “Ficai!”
Quando vos sinto o cheiro, não o nomeio
Senão com vosso nome e com meu “ai”…
Quando vos ouço a voz, é um gorjeio
Que canta, e canta, e canta e não se vai.
É como nas histórias, ou nas lendas,
De doidos “bem-me-quer ou mal-me-quer”
Nas quais, nunca em razão do que se entenda,
Morrem por uma pétala qualquer.
Sim, eu sei o que sois; por fé tremenda,
Eu creio que estou ante uma mulher!