Poemas à Amanda

I

Transformas o meu ouro em linho suave,

A carnadura expostas das exigências

Em sedas versáteis e lúdicas.

Teteias, em mim, o silêncio cosmonauta

Das horas infames. És a lua de prata

Para meu sol, necessitado do brilho

Escuro em que te deténs.

Atravessamos, ungidos, as noites

Do amor, como quem caminha

Na diagonal de suas chamas.

II

Rosas vieram te curvar a medida do encanto.

Doadas, cediças, breves, o efêmero alimentava

O que em mim é eterno, arame irisado.

(Nenhum consentimento sobre o desespero)

Assim te busco, como o Homem sobrepuja

Seu próprio cansaço, e então subtrai de sua fundura

A solidão, a arca movediça,

As paredes táteis,

As rútilas aparências

Do ocaso. Te busco como um santo

À Bíblia dos inícios, em claro pecado

Primordial, mas puro e necessário.

III

Olhei os princípios. Comparei.

O amor é redondo, início fogo

Sob os pórticos do Destino.

Submergi as muralhas, lancei à sina

As tardes em que me sustentavas

Para atravessares até ti. Em deserto,

Busquei a fonte segura, o oásis fluorescente,

O beijo sinistro, o fogo-fátuo,

A frescura de umas noites

Em acalento molhado.

Os princípios eram nossos.

(Teias exangues, mutilações de antes,

O Cais de quem parte para sua morte

Com o ouro do amor, ainda distante).

Eram nossos os olhares, setas vívidas

Em alvos crepusculares.

IV

Se te pertenço, é que o coração desembaraçou

Sua estrutura, e fez do berço um ninho

De anêmonas luzentes, algas para o alarido,

Canção de sortilégios seguros.

Se te busco, é que há uma estranha

E rigorosa função de vida, entrelaçada

Ao seu círculo isento. Há um lago

Sobre os conventos. Se te busco,

- Os refrigérios amenos,

As bacias entornadas,

As memórias assentindo -

É que uma fome sobre-humana

Me toma o peito, te querendo.

E como um cavalo em tórrida pata

Navego em ilhas movediças, te vivendo.

V

Olho para dentro e é como se soubesse

Da indumentária infinita da paixão

Revestindo as dinastias suaves

Do teu corpo. Olho para dentro

E entrevejo uma luz serena

Divinizada pela suavidade índiga

Em que caminhas. Sei do centro:

Punhal de vísceras luminescentes

Ao som de seu próprio juramento.

És a pertencida das conjurações amenas,

Da razão que se destrói ao obscuro

Em que me defronto, mesquinho e débil.

Olho para dentro é como se soubesse

De sonhos futuros, idílios florais,

Rosa-pétala entreaberta

À fartura do vento.

VI

Olho os teus olhos. A mobília do secreto

Obriga-me ao entendimento. Reconheço

Uma nostalgia antiga, medo e pureza.

(Um altar de negras simetrias

Tateando o invisível em mim).

Olho os teus olhos, e é como se o oceano

Se fizesse morada na ilha das minhas retinas,

E é como se o desenho do meu ser, em ti,

Se fizesse a eternidade despedida

Que se cumpriu, no centro do sonho

Em que estamos, puros e extáticos.

Olho os olhos. E é como se olhar

Fosse construir saudades, atalhos,

A liberdade do amor

Retido em um solário.

VII

Por entre os lábios

É que meu ser restitui

Um caminho de sabores

Leves e úmidos.

Por entre os quadris

A suprema carícia

Aventura e o raro solo

O ardor e a conjura.

Deitemo-nos, e a espera

Da aurora, substância e licor,

Hão de livrar-nos do tempo

E sua devoração insana.

Deitemo-nos à tarde

Quando os corpos pedem

Um entardecer de carícias

Ao som da embriaguez

E do prazer consentidos.

VIII

O ouro em ti estás. Redescobrindo-o,

É como se uma outra vida

- de substância etérea, volátil -,

Construísse uma energia renovada

Direcionada à exposição da luz

No centro específico do meu ser.

O ouro, a tua casa, esta que, banhada de essências,

Transforma o tesouro secreto, as ramagens

Aderidas, barcos e brumas, distâncias,

Outras tantas veemências do indizível

Que se perfazem, lactescentes.

O ouro, a forma invulgar,

A retina cristalizada, pênsil,

O amor extremado à urdidura

Do meu ser: perene e iniciático.

XIX

Amandar-se é a entrega absorta

Como uma suavidade longínqua

Que se cumpre, perfeita e intensa.

Amandar-se: do vazio à feitura

De um réstia lunada, espaço de lisura

Nas camadas e reentrâncias do coração.

É sopro, pó. Alabastrino. Pedra sobre

Os pórticos insustentáveis do espírito.

Veemência. Lírios abertos

À extensura do Sol.

Som marulhoso (as cachoeiras frias

Vazias de significado, onde o fluxo

Perfaz uma trilha de desejos)

Seguindo as ondas silenciosas

De toda criação.

X

És secreta, e estás. As uvas na varanda,

Nosso vinho extremado, na carícia dúbia

De beijos cintilantes, quentes. Transformas

O circunscrito em voz liquefeita,

Adaga de desejo, junto comigo Dionisio

Para a suspensão diáfana nas malhas

Do teu corpo. És secreta como um jardim

Cujo centro dá-se a magnólia, o jasmim,

A crueza despótica de um lírio

A correnteza serena de um sonho

Vestido em pétalas dementes, fluídas,

Entregues à vastidão de um Céu

Refixado em mim, eternamente.

XI

Seriam os teus olhos a mansa extensão

De bromélias à luz dos horizontes?

A aguda sensação, loucura acesa,

Variação oceânica de uma mesma onda

Repentina e devota, mítica e sóbria?

Como pensar a pureza, estado de solidão

Se a fundura dos teus olhos

Me dizem de um abismo sagrado

Ainda escondido: ruptura e clarão?

XII

Navegá-los é preciso, porém. Comigo, o silêncio

Perfazendo a trilha voável: voz e visão.

Nenhuma culpa. Remansos d'água. Cristais evolam

Do beijo até a sacristia da íris.

Nenhuma culpa. Tingido de vermelho

Desenho um amplexo durável

- Tatuagem solar -

Na extensão do sonho:

- para perpetuar o que está sendo.

XIII

Ah, o amor, este misto de prazer e crueldade

Em que o corpo imiscui-se da culpa

Para entregar-se à dinastia etérea

Furor e tirania, avidez e liberdade.

Fonte erótica, pulsão insana, vértebra ardente

Sol e silício ao meio-dia, intocáveis e prementes.

Ah, o amor, Fêng, a temática absoluta

De um significa profundo

Que não se retém:

Luz inebriada de conquistas.

XIV

Escreve-se em mim como no curso d'água:

Nas paisagens do presságio, com grafismos

Do infixo - só o rio abaixo, o rio.

(O amor, poética do efêmero, palavra lavrada

Nas páginas etéreas, o circunstancial diluído)

Eis o amor, nesta ânsia remota

De ser pedra, mesmo sendo rota.

Traço o raro: resma de córrego,

Raiz de substância vazia

Na vazão fremente

Do corpo oceânico.

Eis o raro: rio de amor,

Furor líquido para nosso faro.

XV

Ave-Fêng, ao sol do meio-dia

Estás, iluminada e alegre.

A puridade invisível, o ritmo insólito

Buscas, repentino relâmpago.

De mistérios e estrelas, caminhas.

Isenta, fiel, completa.

Abundas os incêndios meus.

Onde o sonho pousa a pálpebra,

E o silêncio do seu olhar

Me doma o sono.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 04/07/2014
Reeditado em 07/11/2014
Código do texto: T4869594
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