CX
Meus sonhos
já se foram, consumidos
por esses fracassos
que lês, ou que um dia lerás,
em meus versos mal
traçados;
e tu a desdenhares
os teus sonhos como quando
fiz na tua idade,
como que se eu te visse
– semelhante a mim –
aos quarenta e cinco, fumando
sem parar,
embriagado e alucinando merdas
com as esferográficas
nas madrugadas.
“A senhora fala inglês,
conquistou montes, e colinas,
e mares, e venceu
– além dos verbos e dos regozijos
incautos –
aos menestréis azulados”,
eis tu, a mulher que
eu verdadeiramente queria ver,
e que provavelmente não
estarei mais aqui
para ver,
pois que passado
me terá sido também,
além dos sonhos naufragados,
meu tempo.
Eu sei
como ainda lhe é difícil
entenderes o mundo,
e as coisas do mundo,
e as coisas das coisas do mundo,
e as coleções de figurinhas
do mundo,
e o bom, e o mau,
e o bem, e o mal do mundo,
que se vão e se vêm,
que continuarão a se ir e a se vir
por teu caminho.
Eu sei,
eu bem sei disso,
e eu só queria que soubesses
que já és quase uma mulher, vivíssima,
cheia de energia,
e que ainda dormes o sono
da inocência de não ver, de não lutar
pelas concretizações de teus sonhos e anseios,
como que se eles fossem
surgir ao jardim de casa numa noite
de febril verão;
e tudo que eu queria
era te acordar,
e tudo que eu queria
era ser-te um bom exemplo que não sou,
e que tu fosses a teus filhos
o exemplo que não te sou,
entendes o que digo,
minha filha?
Péricles Alves de Oliveira