Mysterium tremendum
Somos meramente mortais. Foi-nos vedado
Ler grande parte do Livro da Criação;
Mistérios há que, além de nossa compreensão,
Ao homem deixaria penitenciado.
Curiosíssimo, porém, sai à caça infinda
O homem com uma pena querendo voar.
Sobre um papel em branco, tinta vai chorar,
E, com seus olhos baços, dizer que está linda.
“Sim, está linda a tinta que pus no papel,
Talvez pareça a do Livro da Criação.
Tamanha a dor senti que não pode ser vão
O ofício de escritor – a pena toca o céu.”
Assim, como quem caça borboletas tantas,
Saem homem e rede a correr pradarias;
Quer sentimentos – tragédias ou alegrias –
E, a cada nova borboleta, mais se encanta.
“Ó mulher, também percebes como são belas
As cores que a tinta negra pode pintar?
Somente o belo, o sublime, o que faz chorar –
o canto dos pardais e os saltos das gazelas.”
“Nós mortais, que atados ao tempo somos feitos,
Podemos ainda escrever como imortais;
Na língua somos ubíquos e sem rivais;
Fizemos a Bíblia e Deus fez-se satisfeito.”
“Que um poeta, então, te dedique o seu amor,
É como pôr-te no Livro da Criação:
Abre o peito ao papel, carimba o coração –
Em seu sacrifício ele eterniza o fulgor.”
“E talvez a isso seja feita a mulher:
Para pingar na terra as páginas que faltam.
A Verdade se esconde nos olhos que assaltam,
Nos olhos de mistério — no olhar da mulher.”