Mysterium tremendum

Somos meramente mortais. Foi-nos vedado

Ler grande parte do Livro da Criação;

Mistérios há que, além de nossa compreensão,

Ao homem deixaria penitenciado.

Curiosíssimo, porém, sai à caça infinda

O homem com uma pena querendo voar.

Sobre um papel em branco, tinta vai chorar,

E, com seus olhos baços, dizer que está linda.

“Sim, está linda a tinta que pus no papel,

Talvez pareça a do Livro da Criação.

Tamanha a dor senti que não pode ser vão

O ofício de escritor – a pena toca o céu.”

Assim, como quem caça borboletas tantas,

Saem homem e rede a correr pradarias;

Quer sentimentos – tragédias ou alegrias –

E, a cada nova borboleta, mais se encanta.

“Ó mulher, também percebes como são belas

As cores que a tinta negra pode pintar?

Somente o belo, o sublime, o que faz chorar –

o canto dos pardais e os saltos das gazelas.”

“Nós mortais, que atados ao tempo somos feitos,

Podemos ainda escrever como imortais;

Na língua somos ubíquos e sem rivais;

Fizemos a Bíblia e Deus fez-se satisfeito.”

“Que um poeta, então, te dedique o seu amor,

É como pôr-te no Livro da Criação:

Abre o peito ao papel, carimba o coração –

Em seu sacrifício ele eterniza o fulgor.”

“E talvez a isso seja feita a mulher:

Para pingar na terra as páginas que faltam.

A Verdade se esconde nos olhos que assaltam,

Nos olhos de mistério — no olhar da mulher.”

Galaktion Eshmakishvili e Malveira Cruz
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 21/04/2014
Reeditado em 19/05/2021
Código do texto: T4777324
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