Destemido, avanças, danças ...

Avanças.

Danças, meu amado, na voz dos prados transpirando

e das bicas mudas, por fim libertas, chorando.

Danças a valsa. Danças-me na magia dum tango.

Danças e me rebuscas, num jeito angélico e manso,

de nós crianças. Destemido, danças!

Danças numa dança de pássaros recurvados

por dentro da resteva de melancólicos canaviais

- que a dança é o espaço sagrado, meu amado,

em que cada um de nós se inventa melhor e mais.

No dar amor, no dar-se ao amor … maior!

Danças. No frémito movimento resplandecido

de corpos incontidos a emancipar-se sentidos.

Dos nossos corpos colados, dos nossos corpos

alados, soberbos, roucos e felinos,

em vagas e gemidos, de animais primitivos.

Descobres-me secretamente

num sorriso méleo, de anil, que é só teu,

quando a noite nos despe de mistério e

nos enrola no funil da mais profana ousadia.

Quando, num estremecido orgânico, linfático,

os nossos corpos, pássaros cobiçosos, se deslizam

a resgatar passos perdidos em claustros distintos.

Quando a carne nos chama, a carne nos clama urgente.

A carne sanguinária se explode em açucenas boreais

e tu desenhas, só para mim, nos lábios dos teus dedos,

borboletas tamanhas, ali no negro céu das entranhas!

Numa dança sem fim.

Danças, sim!

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 05/05/2007
Código do texto: T475832
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