Destemido, avanças, danças ...
Avanças.
Danças, meu amado, na voz dos prados transpirando
e das bicas mudas, por fim libertas, chorando.
Danças a valsa. Danças-me na magia dum tango.
Danças e me rebuscas, num jeito angélico e manso,
de nós crianças. Destemido, danças!
Danças numa dança de pássaros recurvados
por dentro da resteva de melancólicos canaviais
- que a dança é o espaço sagrado, meu amado,
em que cada um de nós se inventa melhor e mais.
No dar amor, no dar-se ao amor … maior!
Danças. No frémito movimento resplandecido
de corpos incontidos a emancipar-se sentidos.
Dos nossos corpos colados, dos nossos corpos
alados, soberbos, roucos e felinos,
em vagas e gemidos, de animais primitivos.
Descobres-me secretamente
num sorriso méleo, de anil, que é só teu,
quando a noite nos despe de mistério e
nos enrola no funil da mais profana ousadia.
Quando, num estremecido orgânico, linfático,
os nossos corpos, pássaros cobiçosos, se deslizam
a resgatar passos perdidos em claustros distintos.
Quando a carne nos chama, a carne nos clama urgente.
A carne sanguinária se explode em açucenas boreais
e tu desenhas, só para mim, nos lábios dos teus dedos,
borboletas tamanhas, ali no negro céu das entranhas!
Numa dança sem fim.
Danças, sim!