Hoje, meu amado
Hoje, meu amado,
vou-te revelar o que tantas e tantas
vezes até de mim se fez ausente.
Vou-me desnudar completamente,
como oferenda, dádiva ou frugal presente,
e assim, desnuda do corpo à alma,
desfilar neste tablado raso aqui à frente.
Diáfana, adornada de plumas, flâmulas,
encoberta por simples rimas de poemas,
no somatório das tuas e minhas penas.
Vou deixar, amado, que me palmilhes
lentamente em rios de memória e de saudade.
Que me afagues espaços curvados
nas pregas ocultadas dos meus versos.
Que te percorras
e rebusques nos teus íntimos compassos
registos sábios e precisos, de outra vida,
da tua pele no decalque efervescente
e epidérmico da minha, próxima de eminente.
No sal da pele, no sémen e na saliva!
Hoje, deixarei entrar de lá da brava rua
apenas a nossa Lua, a que nos espia sorridente
na janela entreaberta da nossa comum procura.
Deixarei que me revele na magnitude
de um vendaval de apaziguamento e de loucura.
Que te revele na brandura e no flama do magma
de um abraço nu de ti a cada trecho, a cada passo.
Que sejamos unos em toques, em tactos, cinjos,
de dedos enleados, em linhos finos,
cerdas de teares, na senda dos segredos milenares.
Que sejamos moldados no intuito, tabular desígnio
da pedra dura, convertida na arte de bem amar,
nesta hora, à laje mais lisa e mais esponjosa.
Que os nossos corpos se desfolhem
na placidez, na tranquilidade macia, duma pétala de rosa.
Hoje, meu amado,
permitirei finalmente, que atravesses o umbral
perpétuo da minha solidão e que me integres e
te congregues, e nos agreguemos num nó de gente,
simplesmente!
Depois, meu amado,
depois de o amor se ter neste leito consumado,
encontraremos segredado no horizonte de nós
o segredo melhor guardado de sermos, um
do outro, rio a caminhar-se renovado
da nascente até à foz.