O LATEJAR DO AMOR
José António Gonçalves
O amor que lateja
como o sangue nas entranhas
persegue as folhas velhas
das árvores nos outonos
para lhes roubar a sabedoria
e descansa nos fenos novos
espalhados pelas colinas
mal se esboça nas brisas leves
a aparição das primaveras
É o verdadeiro sinal das líquidas
sensações atravessando as veias
e dando toda a volta aos corpos
na procura do veio em que desaguam
na boca do poço no centro da terra
em silencioso movimento
para não acordar os mortos
nem perturbar o vento
Na carne o remédio olora os póros
e apoia-se na saliva quente na ardência
das palavras ciciadas e projecta-se no luar
ao encontro dos arbustos ainda no Verão
rebolando-se pelas ervas macias e frescas
como os cabelos alinhados das santas
ou o paladar do pêssego em calda
nas noites de estio
E no Inverno é a música trepidante do granizo
e o fogo lembrado das sensações de outrora
o que conduz ao adormecer
Aí
o meu amor dorme Acorda
Vamos ver chover
José António Gonçalves
(03.10.04)