Não me escrevas palavras indeléveis
Não me escrevas palavras indeléveis
fundidas a frio no fundo rolado de um rio
sem água para navegar.
Usa-as com exiguidade, com parcimónia total.
Escolhe uma a uma de uma abissal floresta.
Apenas aquelas que acredites seres capaz
de, tal ousado gabiru, em mim fazer voar.
Depois, meu amado, rola o teu corpo nu
no lençol bordado, aqui ao lado.
Envolve-me no varal da loucura mais arrebatada.
Trinca a pele rosada a minha boca aberta
com a furia intempestiva
com que molhas a palavra nos dedos da saliva.
Desliza de novo, envolve-te no verso do verso
e de novo no seu reverso.
E de novo no seu começo…
Denta por entre meio,
a ponta oferta dos meus seios, com a força
com que mordes num assobio, uma a uma,
bravas ventanias, as que galgam na ousadia
as serras que te viram nascer.
Não, não escrevas mais silabas indeléveis
nos vales granizados dos teus e meus pecados.
Abre de vez os braços, abre-os de par em par,
deixa-os apenas suspensos nas costumeiras aduelas,
que não os quero frinchas estreitadas de janelas.
Quero-os vastos de largos, quero-os imensos de longos.
Dá voz aos pássaros dentro de ti povoados,
esses, do bico cortado. Dá voz aos seus chilreios…
Aos pássaros que te sobem do peito aos ombros,
e que se revelam carentes em alvoroçados enleios.