Espiritual Negro
Sobre a pedra negra invocamos os deuses. Sobre a pedra negra caída do céu. Pedra de ara da catedral das dunas dos areais onde as ondas quebram, onde as ondas se espraiam.
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Sobre a pedra negra se invocam os deuses. Paz e saúde para as nossas famílias, para o nosso clan. Paz e saúde para os nossos vizinhos, os nossos amigos. E prosperidade para as nossas terras.
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Sobre a pedra negra invocamos os deuses. Cantamos, dançamos. São os nossos nervos tambores e marimbas. Somos a dança. Somos o canto. Somos um corpo. Um corpo só. Um corpo que dança.
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Primeira cadência, a invocação.
Segunda cadência, a comunhão.
Depois virá o delírio.
E mais uma outra, o desespero.
Os deuses só ouvem o desespero.
Só descem os deuses se nos virem em chamas.
E nós dançamos. Dançamos, cantamos. Sobre a pedra negra ao longo da praia escondida nas dunas.
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E a noite gira. E as estrelas rolam. E a lua geme.
As feras não dormem.
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Nasce a manhã.
E ninguém abranda.
Ainda nos falta mais uma cadência. Ainda nos falta o esgotamento.
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Diz o feiticeiro que os deuses falaram.
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E nós semi-mortos na orla da praia.
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Perderam-se as danças. Esgotaram-se os cantos. Perdeu-se o esforço. Esgotou-se
o clímax.
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Só aí então os deuses nos falam. Somente aí eles usam aquelas grandes bocas. Só mesmo aí as suas vozes trovejam.
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Diz o feiticeiro que os deuses falaram.
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E nós umas coisas... Na orla da praia...
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Por isso que eu canto. Por isso que eu danço. Sobre a pedra de ara da catedral das dunas dos areais,
onde as ondas se espraiam.
É que eu vou com a espuma!
…E nunca me canso.
É por isso que eu danço,
É por isso que eu danço,
Na orla da praia,
Na orla da praia,
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Na orla da praia
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Myriam Jubilot de Carvalho
28 de Junho de 1993
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Poema publicado em
“Divina Música – Antologia de Poesia sobre Música”
Edição comemorativa do 25º Aniversário do Conservatório Regional de Música de Viseu (Portugal)
Organizada pelo poeta português Amadeu Baptista
Dezembro de 2009.