Quando me tocas ...

Quando me tocas, na alma simplesmente -

que de mim te fizeste, nesta vida, tão ausente -,

quando me tocas, meu amado,

e os teus imaginários dedos percorrem

lestos os lagos gelados e salgados da memória …

Quando tocas a pele subjugada da tua amada,

e colocas a voar na sua boca - na minha boca -,

palavras que eu pensava não saber pronunciar

palavras das quais não descodificava

inteiramente o significado e colocas igualmente

a rastejar no centro dos meus olhos tristes

cavalos supremos, doutrinados em apostolados

de deificado pecado ali, no verde afogueado

do fulgor do teu bem querer …

Quando me tocas,

meu amado, marinheiro fundeado num mar

inquinado de amabilidades e de desassossego,

o sonho, a fantasia, a ilusão e a magia

deste sentir mareante, pleno e inacabado,

conduzem-me, profetas,

à porta entreaberta do teu ser,

ao porão escorado e nu do teu casco de barco

parado, algures em algum lugar,

recoberto de tenebrosos percebes e cracas,

que nem as tintas mais possantes e repelentes

impediram de se fixar …

Sem medo, atravesso então o passadiço elevado

no cais adivinhado no meu íntimo prazer

de dar e receber continuamente.

De dar mimo, carinho, ternura, afago,

num gesto rústico e genuíno e no fascínio

da redescoberta do traçado.

Vagueio então na agitação breve da partida,

na ansiedade plena da chegada …

Quando me tocas, meu amado, com uma só

palavra sussurrada ao meu ouvido,

o toque tem a força desmedida dum tsunami,

tem a garra perfurante da metástase recidiva

e o poder de me manter suspensa

na falésia abrupta da Vida!

Mel de Carvalho

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 01/05/2007
Reeditado em 01/05/2007
Código do texto: T470953
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