Quando me tocas ...
Quando me tocas, na alma simplesmente -
que de mim te fizeste, nesta vida, tão ausente -,
quando me tocas, meu amado,
e os teus imaginários dedos percorrem
lestos os lagos gelados e salgados da memória …
Quando tocas a pele subjugada da tua amada,
e colocas a voar na sua boca - na minha boca -,
palavras que eu pensava não saber pronunciar
palavras das quais não descodificava
inteiramente o significado e colocas igualmente
a rastejar no centro dos meus olhos tristes
cavalos supremos, doutrinados em apostolados
de deificado pecado ali, no verde afogueado
do fulgor do teu bem querer …
Quando me tocas,
meu amado, marinheiro fundeado num mar
inquinado de amabilidades e de desassossego,
o sonho, a fantasia, a ilusão e a magia
deste sentir mareante, pleno e inacabado,
conduzem-me, profetas,
à porta entreaberta do teu ser,
ao porão escorado e nu do teu casco de barco
parado, algures em algum lugar,
recoberto de tenebrosos percebes e cracas,
que nem as tintas mais possantes e repelentes
impediram de se fixar …
Sem medo, atravesso então o passadiço elevado
no cais adivinhado no meu íntimo prazer
de dar e receber continuamente.
De dar mimo, carinho, ternura, afago,
num gesto rústico e genuíno e no fascínio
da redescoberta do traçado.
Vagueio então na agitação breve da partida,
na ansiedade plena da chegada …
Quando me tocas, meu amado, com uma só
palavra sussurrada ao meu ouvido,
o toque tem a força desmedida dum tsunami,
tem a garra perfurante da metástase recidiva
e o poder de me manter suspensa
na falésia abrupta da Vida!
Mel de Carvalho