UMA CARTA PARA MIM
Odir Milanez
 
Acordam-me o trino de um canário belga e dos bem-te-vis encopados nos coqueiros que falam as vozes dos ventos na volta do mar. Abro a janela e me eternizo na contemplação do verde das ondas acenantes, a despertar lembranças longevas e aconselhar recomeços. Emoções contidas turbilhonam os momentos e me sugerem pensamentos vários. A vida, vista da janela de meu quarto, é verde, vaga, virgem, voluteante e cheia de sol. Apesar do sombreamento das paredes que de mim se acercam, apesar do cerco da minha solitude, intimamente silenciosa. Avento versar ao vento que me valha:

Ó vento virgo que do mar me vem
passarinhando cantos na janela,
será ela de um longe sem ninguém
ou há alguém que ao longe está com ela?

Dos mares mareados mais além,
muito além das tormentas, da procela,
o amor me prendeu, fez-me refém
das ondas que sorriem risos dela!

Limitadas lembranças... Litoral!
Passos poucos da praia. A paz. O arejo
de paixão sem princípio e sem final!

Nessa praia aportei o meu desejo
e no seu mar chorei gotas de sal
que molharam-me a boca, como um beijo!

 
Volto ao real pela voz da vida, que me convoca para novas vivências na brancura longínqua da praia deserta, coberta de luz. O mar me extasia. De repente dele sou parte e parto para a entrega corporal, em movimentos mais ou menos mansos dos meus braços - que se desenlaçam enquanto flutuo em seus braços ondeantes ou mergulho no marulho de suas  voluminosas vagas.
De volta ao raso, arrasto farrapos de sargaços e procuro na areia os meus passos há pouco passados. A procura se finda num branco sem marcas visíveis da vinda. Onde estão as marcas de meus pés? Quem apagou, do chão, a minha história? Onde a memória do tempo que tatuei nos caminhos que me quedaram aqui? A areia e o momento, lufadas de tempo no vento, e o pó!

A vida abusou de mim
o tempo me tonteou.
Eu me perdi de onde vim
e não sei para onde vou!
Foi-se o início. Chega o fim,
silenciando o que sou!

 
Volto a vista para o mar. Uma jangada, um nonada de pano empanado de vento, leva os meus pensamentos à procura do amor. E eis-me barco à deriva, sem remos, sem proa, preso às toas de outro barco que me arrasta para o que resta de meu porto seguro.

Em meus sonhos absorto,
um novo porto procuro,
mas não existe mais porto
onde aporte meu futuro...

 
Sonho sanhas, tempestades, choro o pranto da saudade, estupro as minhas vontades, aborto a minha revolta e acordo a volta ao terraço, onde afasto o meu cansaço e me entrego, corpo e mente, aos balanços de uma rede, à ida e volta pra lugar nenhum:
 
O meu desejo de ir,
o medo, a ânsia da volta.
Passos prestos a sair,
pé do chão que não se solta.
Desejos de mais espaços,
temores do imprevisível.
Primazia dos cansaços
na descrença do possível!

Vontade de voo cego,
concretude planejada.
A vivência que trafego,
ante a vidência do nada.
A fluência de fugir,
o mar armando a revolta.
O meu desejo de ir,
o medo ensejando a volta!

JPessoa/PB

23.02.2014
oklima

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Sou somente um escriba
que escuta a voz do vento
e versa versões de amor...



 
 

 
oklima
Enviado por oklima em 23/02/2014
Reeditado em 23/02/2014
Código do texto: T4703237
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