MEDITAÇÃO DE NATHANAEL
Perdoai-me, Senhor, se na luz que sobe
a Vós na minha prece
há um vulto de mulher
que a perturba e que a ensombrece.
Perdoai-me, Senhor, se dentro em mim
um outro amor que não o Vosso queima.
Mas a minha alma ainda a Vós submissa,
ainda anseia e teima
lembrar à minha carne os braços de Thaís!
Perdoai-me a dúvida cruenta
de que seja este pecado
um bem que me torna mais feliz.
Deixai-me sonhar as noites e antevê-las,
sob a cúmplice vigília das estrelas,
com a presença de seu corpo
a transformar em seda
o sarjel que cobre a pobreza de meu leito,
ou arrancai-me, Senhor, o espinho desse amor
que sangra no meu peito!
Condenai-me, Senhor, ao mais cruel suplício,
ante o qual seja doce a dor de meu cilício;
mais uma vez só, Senhor - só uma vez!
dai-me que goze a sublime embriaguez
de provar dos beijos de Thaís...
Ainda que este instante me condene
a viver na eternidade,
morrendo, a cada instante, de saudade
pelo instante em que eu fosse tão feliz!
Uma vez só, Senhor!
para que lembrança me ficasse
do colo de Thaís,
onde dormisse a minha face...
Uma vez só, de infinita loucura
misturada de paixão e de ternura,
para que se acabe, de vez, este tormento
e depois logre de Vós perdão e esquecimento...
Envolvei-me em Vosso manto de doçura!
Fazei serena esta noite escura,
para que eu mereça o Vosso indulto
e repouse numa tumba
onde este amor seja sepulto
e eu possa encontrar paz em algum lugar!
Fazei com que o deserto silencie
e da terra, do céu, alguém me envie
o suave consolo de poder chorar...