Otília
Um corpo que paira sublime, belo, intangível no ar,
querendo se apresentar imune a qualquer gravidade.
Maldade e aspereza sutil me sobram naquela esponja
que com lisonja me acolhe no seu abraço febril.
Manchado de meus sentimentos, vou logo ao seu encontro,
achando-a de bruços imersa na curva de seus sofrimentos.
Procurava-a sem ter descanso na sombra da minha vigília,
Otília da minha labuta e todo cometimento.
Do corpo que nunca tive não posso me desprender.
Loucura querer esquecer daquilo que nunca foi meu.
“O cara mais underground que conheço é o diabo”,
me ensina o Zeca Baleiro um pouco do que aprendeu.
O rato é o cometa do espaço que traça incessante a rota.
O rito é aquilo que corta o que eu não queria fazer.
Dizer que pulei lá de cima pra ver minha Otília sem calças,
mas só de vestido sem alças a me esperar na esquina
com aquela vagina peluda. Espeto o pé no pinheiro.
A baba correndo da boca, maneiro o tom do veludo.
Otília de bruços na cama, imersa na curva do bem.
E eu vou passando de trem, olhando a paisagem que engana.
Queria torcer o nariz, prender todo o gás e sumir.
Queria de novo fingir que Otília não é a razão
de um dia feliz, do trovão, do supetão da conquista.
Nem mesmo que um dia eu desista de ter para onde fugir.
Rio, 13/12/2005