CARTA PARA ALICE

Amada Alice.

Estou no céu do Brasil,

Sabe-se lá onde,

Em algum lugar entre o Ceará e Goiás.

O Comandante, um gentleman de asas,

Anunciou dez mil metros de altitude,

Trinta e dois graus celsius negativos

E um tempo incrivelmente lindo.

Escrevo mesmo é para falar deste tempo

E da paisagem lá fora.

Aqui nas alturas, olhando pela janelinha,

Volta-me aquela vontade de pular

Que sentia quando admirávamos a cidade

No terraço do décimo quinto andar.

Aqui a vontade de saltar é muito maior,

É na proporção desses dez mil metros.

Mas Alice,

Não se aflija. As portas são bem trancadas

E a comissária, linda em seu uniforme

Azul e branco, não permitiria um furtivo

Abrir de portas.

Sobre a paisagem,

É dela que escrevo para contar.

Saiba que tudo quanto disser

Não corresponderá a um terço

Da beleza que vejo.

Assim como é impossível descrever sentimentos,

Não posso escrever a paisagem,

Nem a ternura que me enche quando a vejo.

É a falta de ver que a impede de ser,

No papel, tão bela quanto é na realidade.

A terra, não a vejo daqui.

Vejo abaixo as nuvens.

Como descrever a as nuvens?

Digo que formam um tapete,

Sim, um tapete branco, denso,

De um brilho que me enche os olhos.

Nenhum ser da terra jamais viu

O fascinante outro lado destas inocentes nuvens.

Uma camada algodoada, brilhante,

Estende-se até o fim do mundo,

Formando outro horizonte

Muito mais maravilhoso

(mais maravilhoso, Alice!).

Aqui nas alturas, neste cenário paradisíaco

(porque muito perto do céu)

já começa a anoitecer.

O sol encontra as nuvens

Para se recolher...

Mas como descrever o sol?

Não falaria de uma enorme bola de fogo,

Muito óbvio...

Diria talvez:

Nossa estrela particular,

Brilhante e amarela...

Já viste coisa mais bela?

O sol vai prateando as nuvens

E contrastando com o azul pálido do céu,

Azul que vai crescendo num dégradé

Até o preto acima da minha janela.

Neste preto, Alice,

É onde viajam os mais ousados.

Fiquemos mesmo neste pálido azul.

E o sol, agora como nossa estrela cadente,

Num prenúncio de sorte e vida longa,

Vai se alaranjando e sumindo devagarinho.

Alaranjado,

azul clarinho num degradê até o preto,

branco-prateado das nuvens

e essa saudade apertada

que me embota os olhos

todos os dias, o dia todo.

Se você estivesse aqui, Alice,

Tivesse você aceito meu convite,

Estaria agora também

Emocionada ao ver a paisagem celestial.

Estivesse aqui

Não teria que passar este constrangimento

De escrever numa mesinha de avião,

Sob o olhar atento da comissária,

Condoída por essas lágrimas

Que não sei se de saudade,

Se pela beleza da paisagem,

Se por tudo isso junto,

Ou se pelo pressentimento, Alice,

De que se calmo o céu,

É na terra que me espera a tempestade.

Alice, agora que volto,

Não me deixe,

Não me deixe nunca mais ir embora...

Edson de Barros
Enviado por Edson de Barros em 12/12/2013
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