A bailarina
A bailarina
De tanta dança
De tantos passos
Pelo avesso
Por descompasso
Perdeu o rumo
Virou metáfora
Se encheu de nós...
A bailarina
Era tão linda!
Luzes lilases
Cetim bordado
Às melodias
Às luas novas
Ao meio-dia...
Sorria vida,
Era adornada
De bela estrela,
Águas tão claras!
Era alecrim
Benditas graças,
Os olhos de alvorada...
A bailarina
Chegou aos céus
Se fez em prados
Entre os abraços
Olhares e laços
De um príncipe indígena
Iluminado...
Ela era o anjo
Algo sagrado
Um destino
bem desenhado
mas à meia-noite
um passo em falso
e a queda fria...
A bailarina
De tanta dor
Perdeu o ar
Desfez um mundo
agonizou
Ergueu um grito
Silencioso...
A borboleta
Sem ter mais asas
Já não voava
Viu a distância
O sangue vivo
A noite negra
A morte d’alma...
Teceu seus versos
Naquela ausência
Desabou em medo
Anulou essência
Tornou-se fria
Um passo, um erro
Inferno em vigia...
A bailarina
Travou batalhas
Subjulgada
Pensou na morte
Ardeu em prantos
Esvaziou-se
De triste amores...
Já não amava
Já não comia
Não mais gritava
Nada sentia
Sentou-se à beira
Do tal abismo
Das ilusões...
Tirou o véu
De noiva pura
Vestiu-se rubra
Tal sangue errante
Pediu a Deus
Uma única chance
Nada ouviu...
Queria ela
Segundo a culpa
Se desfazer
Enredar nas trevas
Não mais amar
Nem ter saudade
Dos passos largos...
A bailarina
De tanto pavor
Chegou a Deus
Numa madrugada
Viu seu destino
As linhas claras
O sopro de arcanjos...
Teve certeza
Daquela palavra
Da volta
Do recomeço
A melodia
Uma vez entoada
Ainda vivia...
A bailarina
Esperava em sonhos
O corte
O trajeto
A vida
A misericórdia
A luz da ribalta...
Ela entendeu
Com pés descalços
Sangrando no descompasso
Que tornozelos se quebram
Para serem moldados
Girou, girou
E voltou ao eixo...
A bailarina
Doce-amarga
a vida inteira
De erros, apagava...
Ainda inteira,
Mesmo sangrando
Esperava calada...
Um dia de chuva
O sol escondido
Através do vitral
Escreveu no ar denso
Esse poema em devaneio
Para lembrar
Que Deus ali estava!
Sua alma, em dança, ainda acreditava!