Um Instante

Penumbra na rua distante,

em que nos achamos um dia,

marcou-me de modo importante

um pouco da minha alegria.

Tu chegas assim transbordante

de inevitável ironia.

Mas logo me apego ao semblante

e a tudo que ele irradia.

Sabendo ser edificante

a tua presença sadia,

percebo de forma gritante

o quanto que eu te carecia.

A vida, não mais que um instante

no âmago da nostalgia,

contigo se torna marcante

e muito menos vazia.

Porque chegas tão radiante,

que chego a pensar que sabia

que a vida era mais relevante

que a gente achar que vivia.

Não há tempestade alarmante

sem ter a seguir calmaria...

Se a sombra é gratificante,

a luz é o que contagia.

Do vento no mato cortante

a lebre não se distancia.

Nas ondas do mar flutuante

meu barco desaparecia

tragado por olhos brilhantes,

e por essa boca macia;

me apertam teus braços possantes,

da forma que eu mais queria.

Já sei que estou destoante

daquilo que me envadecia:

viver uma vida errante,

achando que alguém não teria.

Pensando que fosse bastante

saber que eu me pertencia.

No fundo eu era um farsante,

mas era só eu que não via.

E agora, cadê o arrogante?

O moço da face sombria?

Pra quem era tão exultante

achar que ele se conhecia?

Lá vai todo esfuziante,

sabendo que não é magia,

nos braços da sua amante,

do mundo a sutil fantasia.

E se for embora o dia,

ainda estará delirante,

pois sabe que toda alegria

não dura mais que um instante.

Rio, 31/10/2005