FLOR-DE-LIS

Ó flor-de-lis!
Doce e rebelde
Quem desenhou este Céu estrelado?
Fui eu!
Quem aspirou este mundo encantado?
Fui eu!
Quem fez de mim tão romântico assim?


De tristeza fiz nuvens sem direção
E a chuva qual orvalho na Terra
De esperança desenhei no Céu luares
Nas florestas negras pus alvas azuis
Por expectativa às manhãs
E coloridos arco-íris aos entardeceres
Ó flor-de-lis!
Fui eu!
Fui eu!


Mas um tanto incluo a te falar
Não posso tomar parte nessa indiferença...
Não vês?
Há crianças chorando...
Não vês?
Países estão em guerra, mendigos morrem de fome
Não posso suportar tanta dor se espalhando!
Deixar-te-ei e irás acudir o faminto
Abrigar os que não têm aonde ir
Deixa-me!
Esqueça-me e sucumbirei em ti...
Quanta aflição! Tantas barbáries...
Não mereço mais tua atenção

Chamam-me Ocaso, todo pôr-do-sol é meu nome
Chamam-me Soturnidade, toda aflição está em mim
Todas as lágrimas e sorrisos estão em mim
Todo amor eterno carrego em meu peito
Tudo porque você está em mim
Mas eu te peço, destrua minha ilusão
Só assim poderei descansar em paz!
Quando virem pedir-me rimas digam que não estou
Não haja mais em mim inspiração
Quebrem-me as pernas e furem-me os olhos
Seja sorvido de doenças graves e sofra de loucura
Pois sei que o mundo precisa de ajuda
Não me queira o tempo, pois sou inútil!
Ó flor-de-lis!
Como morrerá minha ilusão enquanto existires?


Vá visitar seus amigos apaixonados
Console as viúvas e os acamados
Não posso mesmo, não posso continuar!
Ouço o choro de crianças
E continuo a iludir-me com palavras belas
Vejo tristeza nos leitos, mas não me importa
Continuo escrevendo, falando, sonhando...
Tudo é belo! Torno-me a abstração de uma beleza triste...
Por isso continuo
Não mereço viver!
Sou por demais egoísta
Que me diz, ó flor-de-lis?


Seu José? Já não disse que não me procure?
Seu José, que queres tu?
Mais um manuscrito, mais um dito, mais uma canção?
Seu João? Já não disse que não me procure?
É noitinha...
Passa da meia-noite e a Lua rutila redonda no Céu!
Não!Não!
Não falarei mais da Lua a quem não quiser...
Não falarei o que quero por não suportar
Que se esqueça a injustiça e venham me procurar...
Ah, amigo! Que me diz?
Quer levar uma ilusão para o doente?
Queres uma rima para alegrar a viúva?
Ah, amigo! Por que não me disseste que era assim?
Ah, amada! Perdoa-me por um instante!
Pois não sei cantar nem rimar
Pois não sei falar nem alegrar
Ó flor-de-lis!


Agora entendo
O porquê de partir e o porquê de ficar
Agora sei... Agora sei...
Esperem todos os abatidos que lhes direi uma palavra
Já vos trago uma ilusão
Já vos trago o que chamam esperança
O que chamam flor-de-lis
Ó flor-de-lis!
Ó flor-de-lis!

jairomellis
Enviado por jairomellis em 18/04/2007
Código do texto: T454498
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