O POETA E AS FOFOQUEIRAS
"Olha só aquele moço
Cambaleando embriagado
Não são ainda dez horas
E ele já vai para o bar
Aquele boteco da esquina".
"Como sabes minha comadre?
Talvez ele não dormiu bem
E está passando mal
E vai à farmácia e não ao bar
Como podemos assim o julgar?"
"Você é que pensa
Este moço não come
E eu nem sei se dorme
O que eu sei é que ele só bebe
E o lixo que ele põe na calçada
São garrafas de vinho vazias
E latinhas de cerveja."
“Se ele não trabalha,
Como é que vive e se sustenta?
Não dá para entender
Como alguém assim aguenta
Manter-se no dia a dia
Na bebedice e tormenta,
A não ser que tenha abrigo
E uma renda que o sustenta”.
“Assim fosse,
Está com o aluguel atrasado,
Vive num quarto enfurnado
Acuado como um bicho
Que só sai para beber
E jogar fora o seu lixo,
Tendo dinheiro ou não
Ele bebe o seu pimpão
E retorna ao seu bolicho”
“De onde ele veio e aonde vai?
Se é que sabe tudo dele,
Conta-me, diz-me quem é ele,
Este que nunca vi se chega ou sai,
Apresente-me àquele,
Um fantasma ou zumbi,
Se é que ele vive por aqui
E não prossegue ou retrai.”
"De algum canto qualquer vem
E depois de algum tempo
Volta ao lugar donde veio
Ou se desvia indo mais além
Porque alguém que não tenha
De nenhum lugar não vindo
Talvez nem destino tem,
Sem saber se chega ou está indo
Ao encontro de ninguém.”
"Que diz a senhoria dele
Sobre o aluguel que não paga?
Se dia e noite se embriaga,
Não trabalha e nem faz nada
E só dedilha seu violão,
Cantarolando uma canção
De saudade de sua amada"?!
"Ele dedilha as cordas e chora
Canta, diz adeus e que vai embora...
Ela lhe suplica que fique,
Diz que o ama e o adora,
Ele volta abraça-a e faz um repique,
Seu violão triste res-sonora
E abraçados ele ri e ela chora,
Ambos choram e rompe a aurora".
O sol se põe e as velhas
Continuam fofocando
Esquecendo-se de ir embora
De tanto falar da vida alheia
Mas de repente se lembrando
Que o tempo é curto e longa a hora
Uma a outra diz num tom infeliz,
Cochichando num quase apavora:
"Olha lá aquele moço voltando
Não vimos pra onde foi,
É tarde e ele sempre demora
Retorna assim embriagado
Vai incomodar sua senhora
A quem deve e não paga
Mas jura que a ama e a adora,
E reabrindo a sua chaga
A vida dela só piora".
"Vamos depressa pra casa
Nós duas distintas senhoras
Antes que ele nos veja
Com seus olhos em brasa
E a cara cheia de cerveja
No entardecer ainda aqui fora
Em que passamos o dia
Esperando por sua demora.
O Moço acionou a chave
E a porta se abriu,
Bêbado entrou na casa
Foi direto para o quarto
Deitou-se na cama em brasa,
E ouviu sua deusa musa nua
Gritando-lhe: "Vem, sou sua,
Seu poema já está pronto,
Abraça-me, beija-me e o decora".