Desencantar

E agora, quebrado o encanto, resta-te o canto.

Resta-te cantar a amplitude dos lamentos

e todos os caminhos da rosa-dos-ventos.

Cantar o verso esquecido e o poema repartido.

Cantar a desilusão no espelho quebrado

e todo engano consumado.

Cantar a rima que já não povoa os vazios

e nem afugenta os pássaros sombrios.

Cantar a mulher que um dia foi amada

e a incerteza nascida na madrugada.

Cantar a impossibilidade do não

e a quase certeza na solidão.

Cantar o crime da realidade

e o sonho que ficou pela metade.

Cantar as faces distorcidas

e as almas corrompidas.

Cantar o murro, cantar o muro,

cantar o berro e cantar o escuro.

E cantar essa partida

e talvez outra chegada. Essa descida

e quem sabe, outra subida?

Cantar cada semente caída

e a promessa de outra rosa-da-vida.