Amor mendigo
Se queres pisar que deixe marcas
Posso ser tua calçada, trilhar teus caminhos, ser tuas encruzilhadas
Para quem sabe numa dessas nos achar de novo
Seja num buraco, num esgoto quem sabe num poço
Ainda poderás me ver, quem sabe na beira a esquecer
Quantas moedas gastei só pedindo pra te rever
Ou quem sabe ainda mais fundo,
Esteja eu longe desse mundo, nas profundezas do que não é meu
Vai querida, me faz relembrar da infância
E como criança nega tudo que gosto
Me revira do avesso, me faz ter desgosto,
Das coisas tão intrínsecas a mim que compõem meu ser
Desossa esse bisão, queime um pouco das gorduras
Que nosso casamento conservou com amor
Limpe bem os destroços pois em meio aos ossos
Ainda vais encontrar vermelho, meu amor
Tu, madame da vida, não conheces de meu corpo as feridas,
Que à mostra ficam ao meu ser
Sou teu escravo, estou sem dono, migalho,
Sou mendigo com a mendicância de amar
Como posso eu, ser sujo de corpo e alma,
Te impedir com véu e grinalda de um dia separar
Nosso laço universal, nosso amor um dia carnal,
Que em duas almas criou pontes, fomos Niemeyer dos amantes,
Byron dos caixões, amamos tolos e choros, fomos longe até demais
Agora segues em frente, em disparada para parar,
Mas a porta fechada, a boca fria e amarga
Se me permites ainda vou guardar,
Com desespero, com lágrimas e cortejos,
Nosso amor nas estrelas de um flamejante cometa vai despedaçar,
Que pena, não sou Deus, que cena, pedir logo a Ele um pouco dos olhos teus
Pensar que compus canções, fui o eu mais teu para agradar,
Hoje sem pressa, sem conversa, sem desculpa nem palavrão,
Foi com esmero, com meu sorriso menos sincero
Que te mandei seguir remando teu barco,
Hoje marinheiro velho com gestos parcos,
Sou Adamastor impetuoso, velho ranzinza a reclamar,
Seja do mau tempo, das tormentas da água salgada do mar
Se tenho a licença da palavra, queria mais uma vez te chamar de amor,
Calar um pouco dessa dor
Que de proporção tamanha fez tal façanha de me afastar de teus rastros,
Parei com isso, fico a reprimir os meus atos
Vejo destinos traçados, portas abertas, padres felizes,
Vidas seguindo, vejo você, olho pra mim, olho pra mim não vejo você
Se do poço me retirar juro posso te amar,
Não prometo como da primeira vez, vou me silenciar e agir,
Tentando convencer a sensatez a sair um pouco a vagar
Enquanto eu, mais uma vez a lhe cortejar,
Vou invocar Deus, céu e mar para fazer meu juramento de nunca pecar,
Sempre te amar mais do que o dia anterior, deixar Shakespeare com ressaca de amor
E te obrigar a um dia quem sabe retribuir, olhar para mim e não fugir,
Teus olhos são estradas sinuosas, em tuas curvas perigosas me vejo deslizar,
A neblina me cega, porque tu não vens logo e me arrebata,
Fala que meu jeito é desprezível, acaba comigo, mas no final fala que é isso
Que entende, que sou louco, que já tentou de tudo um pouco
Mas que volta arrependida, que na verdade,
A ferida ela tinha que aprender a curar
Gabriel Amorim 02/08/2013 http://devaneiospalavras.blogspot.com.br/