Canto-te esquiva, melancolia visionária
Canto-te esquiva melancolia visionária
debruçada nos corpos de estrelas moribundas
e nos paralelepípedos das estradas embrulhadas.
Canto-te nos olhos verdes de mim, vestidos
d’ogivas incendiárias, anéis rubros dos pecados.
Canto-te nos gemidos sustenidos, ululados,
a povoar de cheiros a inodora atmosfera
na cegueira plácida e branca nas neves da alta serra.
Nas babas desnatadas das horas acatadas em espera.
Canto-te, Dulcineia, no mutismo chacoteado de um moinho
sem velas, navegado pelos ventos nórdicos dos Céus …
Num cântico longo e louco, do teu corpo seta insurrecta
aço cinzelado ou punhal, na minha carne cravado.
Erecta. Mastro, varal da vida.
Canto-te quando na madrugada, me rebolam
por dentro, ao ouvido fundo, os silêncios mais pesados.
(E os nossos lábios se colam de si mesmos distanciados.)
Neste sonho intangível em que a louca Lua se acasala na origem
com um astro contaminado. E ambos percorrem as veias do céu,
em nomadismos ciganos. Em que, caravelas sem mastros
(se) cruzam, marés, oceanos inclinados, em porões iluminados.
Fúlgidos, os cílios se beijam. Insanos, os corpos se amam,
cristas álacres, bocejos lentos. Desejos escorridos, no astrolábio
de flatos. E de novo do porão ao convés, uma e outra e outra vez,
a Lua é conselheira, entre os escombros dos ventos, brisas,
onde se matizam afagos, mimos, sorrisos ternurentos
e os remanescentes lamentos…
Canto-te esquiva, melancolia visionária …