Um Ano Depois
Chegou perfurmosa, dolente.
Da boca a voz esquecida.
O olhar meio impaciente,
Impecavelmente vestida.
Do sonho a imagem excludente
Do auto da compadecida?
Ou era a mais bela somente,
Aquela mais encarecida?
Meu peito batia cansado
E ela a fingir que não via.
Porque, se me olhava de lado,
Mostrava que não entendia
Que a chama tivesse apagado.
Muito me compadecia
Que ela tivesse escutado
Aquilo que não merecia.
Como é que podia ser eu,
Que nunca fui nada na vida
Além de quem lhe prometeu
Eterno amor e guarida;
Como é que esse tolo e plebeu,
Com a sua voz descabida
Viria como um filisteu
Dizer que ela fora vencida?
Que os raios de sol me deixassem
O corpo sem nenhum fulgor;
Que os pingos da chuva molhassem
As minhas palavras de dor;
Que as moças jamais se animassem
Com o que eu lhes pudesse propor
E as plantas jamais me olhassem
Com seus olhos cheios de amor.
Eram cruéis os desejos
Encomendados a mim
Por quem me deu muitos beijos
Que não pareciam ter fim.
Mas vinham agora gracejos,
Escarnecedores assim,
Como se fossem solfejos
Que musicassem meu fim.
E ela virou-se garbosa,
Não ia deixar-se abater.
Se foi empinada e airosa.
Mas olha pra trás e ao me ver,
Na boca a palavra acintosa.
É algo que não quer reter?
Desiste. Ela é muito orgulhosa,
Não ia assim me ofender.
Um ano depois, vejo os dois
No mesmo bar onde eu estava.
Seus olhos me vêem depois,
Descobrem que eu me encontrava
Sozinho. A vida me impôs
A chance de vê-la animada,
Enquanto me agrada o arroz
E a carne moída ensopada.
Rio, 12/06/2005