É preciso saber distinguir o Amor verdadeiro do engano amoroso

Oitavas rimas

É preciso saber distinguir o Amor verdadeiro do engano amoroso

(O desejo secreto d’Amor)

(Narrador) Ó tu, que em pensamentos deploras

De amorosa vontade insatisfeito!

Por que Amor tanto te demoras

A cobrir de afagos o brando peito?

E o vil desejo que em vão devoras

Nessa estranheza tão afeito?

E tal dizia por adversidades:

(Liso) _ Os fados conspiram contr’as vontades.

(Liso clama prudência em sua vida)

(Narrador) E duma larga impaciência

Banhado em lágrimas, que consiste

Aos Fados, suplicar clemência:

(Liso) _Se ante de vós piedade existe,

Eu clamo em minha vida prudência.

(Narrador) Mas nada lhe muda a sorte triste,

Hoje Com asperezas que lhe forçam

A viver com danos que não melhoram

(O vão desejo)

(Narrador) Liso, que d’amor fora tão enganado

Por erradamente julgar. Parecia

Lhe ser contente o seu estado,

Mas que o mesmo Amor de si desvia,

Pois tanto desengana um vão cuidado

Por pensar em ser leda uma porfia!

(Liso) _Que a mim um desejo não pode ser ledo,

Ah, confuso amor, tão alto segredo!

(Rudes desatinos)

(Narrador) E já, posto e rudes desatinos,

Com os pensamentos em Lenira,

Lenira, cujos olhos tão beni(g)nos

Por outro amante mais suspira,

Das paixões os fogos contínuos

Em que Liso jamais sentira

E nesta confusa estranheza,

Toma-se com palavras de tristeza:

(A extremidade)

(Liso) _Ó vos, que condição tão severa ostentais

Ao peito, meramente magoado,

Ou que tão-somente não tenhais

Da vida mais que o prazer trocado;

Cuido das caídas que vós dais,

Não consente ser d’amor enganado

No estado em que vivo esta amargura

Tenaz, imponderada e sempre dura!

(O conselho de Liso aos que amam)

(Liso) _E vós outros, que em vão tanto amais,

Cujo caro Amor vos sois sobejo;

Ameis enquanto costumais

À amorosa paixão, que tal vos vejo;

Por que Amor tão pouco vos durais

Neste engano d’alma e vil despejo,

Triste de vós que viveis contente,

Que rege no Amor um mal latente.

(A quem eleva Amor no peito tão empenhado)

(Liso) _E vós, também, que amais tão empenhado,

Vede se a causa dele sois segura,

Que, segundo, tenho experimentado,

Amor em sua fineza mais se apura

E vede vosso semblante magoado,

Um, porque só causa desventura,

O outro, porque Amor não porfia

Em tornar perpétua a alegria.

(Liso lamenta o bem que tinha)

(Liso) _Ó fementido Amor! O bem que tinha

Só para refrigério de meu dano,

Em que nesta tão amarga vida minha,

Chorei debalde tanto engano!

Que bens, que honra a Dita tão mesquinha,

Não converta em grande desengano?

Por que nestas glórias indevidas

Por tão baixo preço têm as vidas!

(O desgosto tal)

(Narrador) Em pena tanta, tomado em pranto,

Que muitas são as causas que deplora,

Em desatinado e triste canto,

Movendo a rouca voz , que muito implora,

Falta-o a custo o alento tanto

Pela formosura ingrata que adora,

Mas se o sereno Céu de longe visse,

Talvez o desgosto tal não sentisse?

(O desabafo primeiro)

(Liso) _Ó fados, que contra mim vós negastes

Alegria tão alta merecida!

Vistes quem vós mais desprezastes,

Mas, posto, que não tirais a vida?

Bens que vós sempre renegastes

Por ver-vos tal alma destruída!

E vede-me triste e desesperado

E de mim alonga o penar cansado?

(A resposta dos Fados a Liso)

(Os Fados) _Ó tu, vil mortal, que muito dizes

Que os Fados conspiram contra às vontades,

Embora sejam os homens infelizes,

Mas vos direi honestas verdades,

Tanto desengana no que dizes,

Pois bem és digno de infelicidades

E embora seja teu dano extremo,

Nunca culpes o Céu supremo!

(A justificativa dos Fados a Liso)

(Os Fados) _Tantos são os danos indevidos

A esta injustiçada alma humana?

E embora sejam todos apercebidos,

Fortuna foi aqui a mais tirana?

Mas nestes termos bem esclarecidos,

Ninguém pode fugir ao mal que dana!

E se tu mais padece, ó vil mortal,

Olhai donde vem a causa deste mal!

(O sacrifício de amor)

(Liso) Ah! Lenira, por quem tanto

Morro de amor e vivo de desejo,

Mais cresce em minha alma o teu encanto,

Tão perdido de amor posto me vejo!

Desesperado, suspirando em pranto

Eu daria a minha vida por teu beijo!

Trocaria mil glórias por um cuidado

De ter sempre comigo o teu agrado!

(Lenira se dirige a Liso e lhe fala)

(Lenira) _Tu, Liso, que em vão me amas tanto

E tens no peito Amor incondicional,

Pois sustentando a dor e o pranto

Com esse intrínseco Amor e desigual,

Mais busca-me com doce encanto

Sem ver de si enleado mal,

Mas eu com meu desdém sem pejo,

Lhe consumo as forças do desejo?

(Lenira declara a Liso, que ama a outro)

(Lenira) _Mas bem sei que é certo o que sucinto

Por outro amante, claramente,

Pois tão casto é o amor que claro sinto

A cativar-me a alma docemente

E pouco a pouco assim consinto

O que amor com venturas me consente,

O que para uns amor é doloroso,

Para mim só é terno e mavioso.

(Mas Lenira relata que nunca o alimentou com falsas esperanças)

(Lenira) _Pois que culpa tenho eu em não amar-te

Se não foi por vontade merecer-te?

E como tanto pude desenganar-te

Se já nunca desejei querer-te?

Tu só, com esse soberbo Amor foi deixar-te

Com falsas esperanças abater-te!

E tu só debalde cativava

O Amor, que a meu peito já liado estava.

(O cego engano)

(Liso) _Bom tempo vivi nesse engano

Com doce Amor ilustrando o peito,

E tal estava o Amor posto em sossego,

Que a mim parecia estado tão perfeito,

Mas é por via que não posso ter sossego

Neste cego engano meu tão afeito!

Que Amor em seus tão altos favores

Só causa desatinadas dores!

(Na desesperação)

(Narrador) Liso, na desesperação posto estava

Com o peito largamente magoado,

Tão perdido de amor, se queixava

Soluçando aos Céus, desesperado:

(Liso) _Nunca um só bem me consentiu e eu buscava

Ser de amor contente e prosperado!

Já nunca amor se cuide e guarde,

Que muito densa é a dor que no peito arde!

(A sorte escura)

(Narrador) Tomado está, Liso, em desespero

Deste desengano rudemente,

E posto lhe tem Amor o mais severo

Dos pesares, na vida descontente,

Que tanto atribuía a Amor o mais sincero

Sentimento, com empenho veemente;

Mas quem com desvelo se apura,

Tanto lhe conduz a Sorte escura!

(O conselho dos Fados a Liso)

(Os Fados) Não vês teus desenganos por Lenira?

E depois de tudo tu inda amas?

Não vês que a outro amante ela mais suspira

E tu, com desgostos tais mais inflamas?

Tira essa ingrata do teu peito, tira!

Enxuga as lágrimas que derramas!

Não dê razões que te desalentes,

Não sinta por Lenira o que tu sentes!

(É preciso distinguir amor de ilusão)

(Os Fados) _Que, primeiro, para o Amor ser próspero

Nesta tão longa e férrea jornada

De esperanças vãs e desengano fero

Que muito tornam a vida tão pesada;

Tal coisa vil humano, te assevero

A trazeres no peito sublimada:

Que sempre amor vem em forma de ternura

Pra depois lhe consentir a desventura!

(O disfarce do amor)

(Os Fados) _E sempre Amor vem disfarçado

De tão contínuo e falso alento,

Nunca Amor mostrou de cara o outro lado

Em que em si é formado de tormento!

Vem Amor de ternura bem trajado,

Falsa causa e falso contentamento!

E se maior for a sua força, maior o dano,

Que Amor nunca passou de um cego engano.

(O desabafo segundo)

(Liso) _Ó desgraçado de mim! Ó degredo

Desta tão horrenda desventura

Que me põe n’alma pavoroso medo!

Ó bem d’amor que tão pouco dura

Neste desengano nada quedo!

Ó maldita hora em que quis ventura!

Ah, condição tão áspera de pena

Que os meus cansados dias mais condena!

(O triste estado)

(Liso) _Ah! Meu triste estado ah! Escura sorte!

Tudo quanto é mal convém matar-me

Com tal desgosto, com mágoa forte!

Ó molesta vida há de durar- me

Se não há bem que venha e me conforte?

Em vão duras para castigar-me!

Forçando-me viver o quanto for,

Sustentando esta alma de dor em dor!

(A contradição do amor)

(Liso) _Qualquer Amor em si desengana

Tanto quem, por fim, o procura

E mesmo como defesa humana

Não vale um peito com armadura,

Pois Amor aqui me guarda, ali te engana,

Aqui Amor me fere ,ali te cura:

Mas se em meu peito Amor não contive,

Que Amor com seus contrários sobrevive.

(Tão contrário amor)

(Liso) _Inigualável amor é um fogo esquivo,

Que não consente nunca ledo estado,

De amor juntamente, eu morro e vivo

Cegamente amando sem ser amado;

De amor estou escravo e não sou cativo;

Tão áspero é o rude amor em meu cuidado,

Mas porque em meu peito se acende a chama?

Suspiros... Contrário é o amor para quem ama.

(Liso vê Lenira na espessura co’o amante)

(Narrador) Liso, na espessura ali se deixa

Ficar aquele romântico instante,

Fita o olhar, lhe cresce a queixa

Vendo, Lenira, entregue ao amante;

Mas co’as palavras d'uma triste endeixa

Logo se põe dali distante:

(Liso) _Ah, não me basta tanto amor no peito

Como a causa tal real de meu despeito?

(O mal d’Amor)

(Liso) _Inda vem o mal que em meu peito dura

Só para danar quem tanto ama!

São estes os meus confins da desventura

Enleado ao Amor em sua trama?

Pois, bem vos vi Lenira, na espessura,

Que em júbilos tais se derrama,

Mas se nela está minha esperança,

Por contrário pode haver mudança?

(quando me verei deste mal já curado)

(Liso) E quando me verei deste mal já curado,

Curado do amor que consome tanto

Um peito tão triste e tão cansado,

Cansado de amarguras, queixa e pranto?

Eu suspiro em vão e sofro calado,

Calado e triste eu passo os dias, enquanto

O coração consolado pela dor

Não acha à cura para lei do ingrato amor!

(A desdita)

(Narrador) E já, que nada pôde mudar-lhe a sorte

Nesta condição tão dura e mísera,

Será por bem já a morte,

Que assim lhe ordena a Dita tão severa!

E nem que com doce Amor o conforte,

Cujo caro Amor confortar pudera,

Mas Amor em cegos enganos,

Só lhe consente rudes desenganos.

(O desabafo terceiro)

(Narrador) Viver sem vós na vida pouco posso,

Liso - qual em suspiros vai falando...

Por que tanto engana um desejo nosso,

Nestas vãs palavras lamentando...

Lenira, dando a outro todo o amor vosso,

A Liso vai tão-somente o magoando...

Apaga-se a chama do desejo,

Qual em sã cautela assanha o pejo!

(O padecimento)

(Narrador) E estando já, de amores descuidado,

Pois que neles sempre foi mofino,

Co’o lânguido peito e magoado

Desejando fugir qual peregrino,

Mas nestas durezas bem atado

Já não é contra o que ordena o seu destino,

Pois bem sabe que por merecimento

De justo lhe é tanto sofrimento.

(os extremos são de amor)

(Narrador) Tão magoado e do mal já tão cativo,

Liso, esbravejava de ira e de rancor:

(Liso) _ Amor é falso, enganoso, esquivo

E causa em seus efeitos grande dor!

São esses os extremos que hoje vivo,

Todos esses extremos são de amor!

Minha face em lágrimas se inunda

Com porfiosa dor, com dor profunda!

(Em Amor não há entendimento)

(Liso) _Busquei em tudo na vida entender-te

Soberbo Amor, oh, que nem consente

Chorar as lágrimas de perder-te

Quem nunca em nada pôde ser contente!

Tu só, com mágoas me converte

As esperanças, porque assim consente

Que eu nesta pena tão atento,

Abrasar-me-ei no sofrimento.

(O último desabafo)

(Narrador) E ante os mares co’intento inflama,

De amorosa desventura se queixa:

(Liso) _Por que sofre mais quem tanto ama?

Por que de mim se parte quem me deixa

De amor desatina a chama

Nesta tão larga e duvidosa queixa?

(Narrador) E essas tristes palavras de lamento,

Como as velas leva o vento.

(As causas do padecimento)

(Narrador) Nestas e noutras asperezas

Por Amor, Lenira e os Fados tiranos,

Que ambos tomaram Liso com tristezas;

A Amor, em acerbos desenganos;

À Lenira, por vossas durezas.

E aos fados, em demanda de seus danos.

E neste injusto propósito tal,

Entendendo vou a causa deste mal!