Saudade de Dade Minha Flor-de Maio
Numa tarde de abril cruzamos nossos olhares.
As folhas de outono preenchiam o chão da praça.
Sentada, num banco de madeira, ela lia poemas de Cora.
Sentei-me ao seu lado e sussurrei palavras ao vento:
"Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina."
Um sorriso singelo se abriu em seu tênue rosto
Conhece poemas de Cora Coralina? A pergunta soou.
Sincero respondi - só este que citei, é para impressionar.
Calada ficou, concentrou-se no livro. O silêncio falou.
O sol se pôs ela levantou-se e, sem despedir-se, se foi.
Em meu travesseiro, absorto questionava - Mas fui tão sincero?
Nomei-a "cactus", fria, espinhosa, sem vida, sem graça.
Dormi acalentado pela lembrança vicosa daquele sorriso.
Em meus sonhos era princesa, plebeia, mocinha e bandida.
Olhos negros, rosto branquinho, cabelos negros sorriso com covinhas.
A tarde chegou, na praça as folhas ao chão - Meu cacto onde está?
Outra tarde e mais outra, minhas folhas caiam, minha alma desnudava.
Tardes, vento, noites, dias sem fim - meu cacto onde estás?
O toca-fitas rodava minha Janis, eterna namorada, ela me acalentava.
Sua foto gigante, no teto, parecia traí-la - Me perdoe amor!
Quase dormia, então ela me disse baixinho -A Woman Left Lonely.
Chorei. Me senti tão culpado, deixei-a ir, ela estava sozinha!
O porta-retrato exibia minha Janis sorrindo, beijei-a ela me disse - Maybe. Dormi.
Procurei-a, por toda a cidade, nas praças, nos prédios, nas ruas, nos bares.
Sem forças pensei - Deleitar-me-ei nos braços de uma loira gelada.
Um sobrenatural empurrou-me para um lugar de nome Chaleira.
Sozinha, sentada num cantinho qualquer, o sorriso se me abriu.
Entorpeceu-me, mais que o chá de lírio que, então, me embalava.
Voei até ela, à minha volta nada existia, sua doce voz assim me respondeu:
- O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o corriqueiro da vida.
Naquela mesma tarde, na mesma praça central, declaramo-nos casados.
Com a bênção de Cora, cantei-lhe "Canteiros" de Cecília Meireles.
Carreguei-a no colo, rodopiei. Dançamos como dança de uma criança.
Em casa, um vinho barato, dois dedos de erva. Nos amamos na relva.
"To Love Somebody", nossa canção, nosso enleve, nosso culto, nossa prece.
Declarei-lhe meu amor infinito enquanto durasse, fosse eterno e terno.
No altar da minha deusa, Janis, paixão dela também, recebemos sua bênção.
Meu cactus afinal era uma exuberante e linda Flor-de-Maio, radiante.
Mas tal qual a flor, tinha seus dias contados, seis meses talvez.
As lágrimas desceram. Limpou-as com sua língua.
Sussurrou-me ao ouvido - Vamos, vamos viver!
Os meses estavam passavam, vivíamos o mais , o tudo que podíamos.
Desfiz-me de tudo, emprestei com amigos. O mar, o sol, o vento, o céu.
Lisboa, Madri, Astúrias, Marselha, Florença, Veneza, Viena, Berna e Paris
Seis meses se foram, mais quatro também.
O dinheiro acabou, mas a vida...
Meu violão, uma saia colorida, uma flor no cabelo, um chapéu no chão...
Medicamento e comida já nos eram bastante, mas chegou o inverno .
A neve, o frio, a vida se esvaindo, precisávamos para casa voltar.
O mar, a tempestade, trovões e relâmpagos. Paris, Rio, Lorena, Londrina.
Um fio de vida, o sorriso, quase apagado, ainda mantinha-se.
No dia dos meus 20 anos se foi, nunca mais floresceu.
Meu amor, minha vida, minha For-de-Maio.
1981