A Narciso...

É difícil olhar no espelho e não ver além do que seus olhos enxergavam em mim...

É horrível olhar para os lados e em cada um deles sentir um vazio extasiante e pavoroso...

Suas palavras, seus gestos se perderam num tempo em que não contive em minhas mãos...

O desejo de inexistir para não sentir mais do que eu mesma posso suportar...

Em cada reticência minha vida finda

Em cada sopro do vento

A cada instante perdido n’alguma estrada por onde passei sozinha

Eu ando sozinha e não há pôr do sol

Não há entardecer sem lágrimas

Não há vida, por mais exata, que preencha

Houve um começo e o fim será eterno

Porque de mim, restou apenas o que minha íris gravou

Seu sorriso e suas últimas súplicas

“Não há quem vá te amar mais do que eu”

Rasgam-se as linhas, borram-se as palavras, consubstancia-se a existência

O véu, a orla marítima

Seus beijos e suas mãos

O que ficou e Deus colheu para uma eternidade que fará sangrar até meus últimos dias...

Nem, sequer, há mais vida...

Senão a esperança do quê?

Das minhas preces agudas que não podem mais serem ouvidas...

Uma noite destas acordei dos meus sonhos adornados por você e senti

Em minhas mãos as mãos de algum anjo...

Deus ainda segura-me num mundo de lamentos

Porque nem Ele mesmo pode mudar um destino que eu colhi para mim mesma...

Sua ausência é como o absinto que percorre as veias

Faz-me sentir, por segundos, amada...

Ao amanhecer, o nada!

Ao amanhecer, o silêncio da min’alma...

Mas nem o amanhecer me poupa e só a escuridão ainda permanece

No pouco, no muito e no infinito que só consome o que restou do meu coração...

Era você e hoje é o que eu já não entendo...

Meus sonhos e eu...

À espera à beira no precipício...

À espera da misericórdia do meu Deus...

Nem Amor que cure, nem ferida que cicatrize...

Só a culpa

Inscreva-a, então, em meu epitáfio...

Inscreva-a em minha carne enquanto há neste mundo minhas lágrimas

Pois até elas são suas...

Tome-as em suas mãos e permaneça em silêncio...

Prefiro continuar vivendo das minhas mentiras, da minha falta de lucidez

Do pouco que você deixou

Do muito que ainda consome meus dias e minhas noites!

No espelho...

Você, Narciso e ninguém mais!

Anna Beatriz Figueiredo
Enviado por Anna Beatriz Figueiredo em 15/07/2013
Reeditado em 15/07/2013
Código do texto: T4388893
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