Vives em mim
Vives em mim, peçonha adocicada,
num canto de insectos cativos e no lamento
dos rosnados dos animais acorrentados nos quintais
despovoados de desprotegidas quintas.
Aquelas em que, das frontarias às janelas, tudo
se recobre no verde silvestre dos silvados e o chão
se alimenta da raiz putrefacta das urtigas.
Vives em mim nas desfolhadas das eiras
quando as moçoilas raparigas apregoam na barriga das saias
a luxúria adivinhada do achar do milho-rei. Mulheres infusas
no desejo a rebentar os corpetes por cima das blusas.
Vives em mim na mão cingida e na palavra comprimida
que me retém, múmia, ninfa ou bela adormecida,
no redondel palco da vida, no auge dos teus braços.
Tomas-me tua, perpetuamente insana e nua, em gestos
inteiros e logo repartidos,
por dentro do frio coalhado dos sentidos.
Nos nevoeiros povoados de gaivotas. Agiotas!
Nesta mescla em que os meus ímpetos rurais cruzam nos
primitivos instintos, os teus acometimentos marítimos.
Quando os teus olhos trigueiros adivinham os meus cheiros,
para lá dos pesados reposteiros onde se acabrunham
magoados, todos os pretéritos fados.
Vives em mim, num latente estado
em que se cruzam anjos mensageiros
e demónios encarapuçados ...
Vives em mim ...sim!