Hoje foste ...

Hoje, foste o silêncio estruturado

da minha demoníaca Torre de Babel,

foste o sonho perpetuado num papagaio de papel,

a música abafada na nervura filiforme da folha retraída..

E os dedos que rodaram, leves, serenos, em gestos

finos e pequenos sobre a raiz da minha pele, na surdina

arrepiada da manhã.

Foste a brisa esmaecida por dentro dos bagos da romã.

Foste igualmente, as asas de ave de rapina, avultadas no brilho

aveludado no tacto repentino da campina.

Foste o sopro refluente no caudal do sangue quente

a pulsar nas veias, avidamente.

E foste estas lágrimas subterrâneas deploradas,

e estes rios largos, escorridos,

sempre e sempre esquecidos de ser mar.

Rios silenciados, soterrados em aluviões de mágoas

onde bóiam eternas jangadas de pedra, comandadas por Minerva.

Balsas onde desliza, em espera a ancestral sabedoria.

Onde se fundeia a ansiedade – tanta verdade encerra esta palavra saudade …

Jugulada, te digo: meu amor, amante, amigo …

Hoje tu foste em mim o caudal e as margens-rio

de um tempo que não encontra tempo para aportar …

Por favor ... deixa-me chorar!

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 31/03/2007
Reeditado em 01/04/2007
Código do texto: T432654
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