Hoje foste ...
Hoje, foste o silêncio estruturado
da minha demoníaca Torre de Babel,
foste o sonho perpetuado num papagaio de papel,
a música abafada na nervura filiforme da folha retraída..
E os dedos que rodaram, leves, serenos, em gestos
finos e pequenos sobre a raiz da minha pele, na surdina
arrepiada da manhã.
Foste a brisa esmaecida por dentro dos bagos da romã.
Foste igualmente, as asas de ave de rapina, avultadas no brilho
aveludado no tacto repentino da campina.
Foste o sopro refluente no caudal do sangue quente
a pulsar nas veias, avidamente.
E foste estas lágrimas subterrâneas deploradas,
e estes rios largos, escorridos,
sempre e sempre esquecidos de ser mar.
Rios silenciados, soterrados em aluviões de mágoas
onde bóiam eternas jangadas de pedra, comandadas por Minerva.
Balsas onde desliza, em espera a ancestral sabedoria.
Onde se fundeia a ansiedade – tanta verdade encerra esta palavra saudade …
Jugulada, te digo: meu amor, amante, amigo …
Hoje tu foste em mim o caudal e as margens-rio
de um tempo que não encontra tempo para aportar …
Por favor ... deixa-me chorar!