Não mais pranto
O enigma, não é mais o choro, o luto pranto...
É o vislumbre do latejar do sangue, brando e branco
nas veias do meu canto.
Não, não vou mais chorar, que agora o enigma maior
é conjugar uma e outra vez, e sempre, no futuro
e no presente, o verbo Amar. Amar no amor...
Amar vertical. Ser escarpa, ser abismo imaturo, fremente,
no fascínio e na busca dos teus braços de mar a me enlaçar.
Pintar de azul profundo as vagas mais alterosas do meu
fundo de mar, no enigma primeiro de aprimorar
o meu próprio devaneio.
Amar o passado controverso e nele o seu tempo mais
perfeito. Aquele em que fui flor, maleável rebento,
agasalhada no colo, amamentada no lácteo seio
da minha já defunta mãe.
Amar ainda do passado, o instante mais frutuoso -
aquele em que fui raiz dos filhos que neste mundo em
flores desabrochei.
O enigma é amar perdidas maravilhas, ilhas inóspitas,
inimagináveis cumes perfurantes de nuvens. Nimbos ...
Amar no alvoroço e no mimo, no impulso, na audácia
de arcanos. Sem projectos prévios ou planos...
(Ser poeta é ser insano).
Tecer redes secretas do cabouco até ao tecto,
no presbitério do afecto. Tecer-te jasmim!
Sim, que a novidade, o enigma verdadeiro, é de manhã
e ao anoitecer, lá no cedro do jardim, cantarolarem
os rouxinóis só para mim...
(Cantam sim, que eu bem os oiço, e louca, louca,
me embalo e me adormeço, no chilreio do seu baloiço...)
E os seus cânticos sopranos, perfurarem silhuetas obliquadas.
Serôdios pontuarem, agulhas afiadas, no ponto de semi-colcheia
veredas tenebrosas.
(Os rouxinóis, aqueles que se enamoraram das rosas ...)
O enigma é amar no movimento mais inato e mais (in)apto,
sem medo, montanhas permanentemente paradas e navegares(me)
por dentro das lágrimas já saturadas do meu pranto.
Coladas, com elas fazer coroas, diademas.
Diamantes puros! Resplandecentes... Trilhos seguros...
Sim, com as gotas recolhidas, lapidadas, fazer dos poemas, estradas...
Um novo instante, um mundo ainda por clarear.
Não, deixei de chorar.
Que em mim, já vos disse, nasceram asas translúcidas.
Brotaram do meu corpo de crisálida. E agora, neste mar
em que me encontro, são velas levantadas, são agulhas de
bússolas, a velejar.
E, se em tudo isto me encontro, não encontro mais razão
para continuar a chorar.