Delírio Fatal
XXXV
É ruim conter desejos, mas é tão perigoso despertá-los!
Estás aí sozinho enquanto navego
pelo teu corpo com a nítida
precisão dos mais ínfimos detalhes.
É fim de Abril e só agora a chuva
incorpora nas casas e almas aliviadas
o sopro de segredo e medo que o mundo perpassa.
E tu aí só, pensando em como seria bom
estarmos juntos novamente.
E eu aqui resignada à madrugada
completamente fiel a reconstituição
sensorial do teu beijo, teus dentes imensos
deslizando no meu couro cabeludo
o delírio fatal da carícia reciprocamente desejada.
Ai, se quase vou correndo até tua casa!
mas me detenho ao lembrar que amanhã
é dia branco, e ao lembrar que odeias
porque me detenho, e ao lembrar que
me odeio por não ser tão livre como és.
A imagem da tua tatuagem salta
quase real e me arranca, mais fortemente
a vontade de você.
Mas me detenho. Entre mim e ti há o abismo
penetrante de algumas ruas adormecidas
sem porém, desmerecer nossos afetos.
E tu agora se detém. Resolveste dormir.
Tudo é morno contigo, provoco-te
estas palavras sem que me percebas.