Delírio Fatal

XXXV

É ruim conter desejos, mas é tão perigoso despertá-los!

Estás aí sozinho enquanto navego

pelo teu corpo com a nítida

precisão dos mais ínfimos detalhes.

É fim de Abril e só agora a chuva

incorpora nas casas e almas aliviadas

o sopro de segredo e medo que o mundo perpassa.

E tu aí só, pensando em como seria bom

estarmos juntos novamente.

E eu aqui resignada à madrugada

completamente fiel a reconstituição

sensorial do teu beijo, teus dentes imensos

deslizando no meu couro cabeludo

o delírio fatal da carícia reciprocamente desejada.

Ai, se quase vou correndo até tua casa!

mas me detenho ao lembrar que amanhã

é dia branco, e ao lembrar que odeias

porque me detenho, e ao lembrar que

me odeio por não ser tão livre como és.

A imagem da tua tatuagem salta

quase real e me arranca, mais fortemente

a vontade de você.

Mas me detenho. Entre mim e ti há o abismo

penetrante de algumas ruas adormecidas

sem porém, desmerecer nossos afetos.

E tu agora se detém. Resolveste dormir.

Tudo é morno contigo, provoco-te

estas palavras sem que me percebas.

Shauara David
Enviado por Shauara David em 26/04/2013
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