IRÁ AMANHECER
José António Gonçalves
sairia por aí afora
em direcção a um horizonte
já apagado pelo tempo
subiria ao mais alto ponto
do desnudado planeta Terra
acenaria à incansável estrela Sol
e cantaria ao solitário satélite Lua
se mo pedisses
meu amor
nada disso me pertence
senão a água que me dessedenta
a luz que me alumia os olhos na jornada
e o palpitar do coração
na mudança das marés
e no entanto deixaria tudo
para trás esquecido nos troncos nus
das árvores velhas e apodrecidas
e mesmo se caísse nas profundezas
negras dos abismos não choraria
se mo pedisses
meu amor
do que preciso é da serenidade
transparente dos teus passos
do silêncio a que habituaste as sombras
onde há um brilho cada vez mais duradouro
a indicar a presença do espírito da casa
para to envolver na doçura do nevoeiro
com as palavras de promessas ciciadas
entre os ventos de outros vendavais
e depois olvidar-te na prisão
dos meus braços
vou esperar pela noite
e nela ficarei até ao seu estertor
para repetir-te a minha oração
logo que acordem os anjos das madrugadas
e fique aberto o palácio dos sonhadores
assim descansa no teu sono de anémona
meu amor
se mo pedires
repito-o
meu amor
por aqui alimentarei as flores
e ornamentarei com elas o teu rosto
no cetim das almofadas
até adormecer
e ficarei de guarda por ti
firme no meu posto
até que te esqueças de tudo
mesmo dos voos secretos dos teus fantasmas
e sem pressas ficarei a contemplar-te
contando-te um rol de verdades absolutas
incluindo a certeza
de que um dia na ilha
irá amanhecer
JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES
(inédito.21.08.04)