O amor é poesia física
quem não ama não sofre:
não perde noites de sono,
não se atordoa em pensamento,
não vive a angústia da distância,
do tempo, da saudade...
(ah, a saudade! que sentimento cruel!
maldita língua portuguesa!
maldita emoção sem razão
que vem ninguém sabe donde
e vai em direção a um só porto:
o que a criou, a fonte donde
brota esse anseio irreprimível,
que vaza, irrecuperável,
indelicado)
quem não ama não sofre:
vive sem sofreguidão
como num filme sem guião;
os odores, imagens ou palavras
não remetem a nada,
não são nada a não ser o que são;
nada de símbolos!
nem se calhar.
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mas as vezes calha de amar:
aí não tem jeito:
o céu, o sol, o mar
tudo fica reduzido a detalhes
e retalhos de imagens, palavras
símbolos e odores:
tudo remetendo ao mesmo ser
quando calha de amar
há uma precipitação metafísica
do espírito que quer transbordar
e pular fora da margem
e viver só de um sentimento
entre outros tantos sentimentos
quando pulula o coração de amar
o homem descobre
que a tão gasta expressão:
um aperto no peito
não tem nada de licença poética,
não é fingimento, lírica, ou romantismo:
é coisa física que arde, dói,
não pede licença
mas conforta e apraz
demasiadamente;
um doce azedume...
O amor é poesia física.