O Amor do Chefe
(Ao Henrique)
Por ter recusado vezes seguida os novos esquemas
os novos planos
as novas saídas
as novas ideias,
e sempre com aquele brilho maníaco no olhar que os amigos sabiam maldito
o bando logo confirmou: o Chefe estava apaixonado.
Mesmo eles
matadores sem coração
Mesmo eles
maconheiros e cafetões
Mesmo eles
marginais em ascensão
Mesmo eles
com tantas mortes e sangue e vapores à pesarem-lhes nas costas,
puseram-se à perguntar: como desapaixonar alguém que detém o
poder de decidir sobre a inocência alheia?
Mais: quem pode ser a alma que magnetizara alguém que sabiam ser desalmado?
Selvagem e doente é o ser humano sem um líder.
E por mais que o venerassem como bem deve ser um tirano venerado,
repugnaram-lhes a ideia de perder o cabra para aquilo que chamam de amor, e que eles tão bem
[desconheciam.
Jamais souberam algo sobre o amor,
nada além das instituições e das surras nas medidas que se dizem sócio-educativas.
Nada além da palmatória do governo e das omissões dos direitos humanos (e humanos direitos?)
Nada além dos beijos cáusticos e causídicos das putas nas esquinas do centro.
Nada além do ranço de cigarro que flutuavam aquém de seus corpos verrugosos.
Eles, assim como o resto da humanidade, jamais souberam de fato sobre o amor.
Logo
decidiram em uníssono: vamos apagar o amor dele.
estrangulá-lo
esquartejá-lo
estuprá-lo
comer e defecar esse amor, se possível
Porque essa porra teima em aparecer quando menos é desejada?
Porque os desejos teimam em serem desejados quando menos são necessários?
Porque as necessidades nossas sempre nos levam a desejar sermos amados como bem se ama o amor?
E se algo assim fosse tão bom como sempre tentam nos convencer
Porque muitos matam e morrem em nome desse amor, presente de Deus?
Logo
decidiram em uníssono: vamos erradicar o amor dele.
varrê-lo do mapa
destruí-lo
esmigalhá-lo
e mijar sobre os pedacinhos.
Nisso, repetiram ainda:
e mijar sobre os pedacinhos.
*
Refizeram vezes sem conta os planos refeitos:
o amor do Chefe seria tocaiado
seria subjugado
seria pisoteado
seria morto.
E estavam contentes com a mal-nascida proposta:
limpariam o mundo se do mundo livrasse mais um incômodo amor.
Por que desse amor eram eles semelhantes -
matavam e morriam por amor ao dinheiro...
... mas nada deve ser esperado por algo que se esconde além de
uma máscara resplandecente, mas tal um Deus Asteca,
exige sacrifícios para o seu fortalecimento.
Assim era o amor.
Assim era o amor do Chefe.
Assim era o amor que eles exonerariam do mundo.
Assim era aquilo que exigia tanto de suas pobres vítimas
Assim era a coisa que sugava a sanidade de todos e de cada um
Assim era o amor do Chefe
que eles mijariam por sobre os pedacinhos.
Tocaiaram por dias a fio.
Enregelaram-se.
O mundo escureceu em derredor.
Sentiram-se solitários e vazios.
E quando mais não podiam esperar, o amor do chefe apareceu.
*
Apaixonaram-se em uníssono
e mijaram-se uns nos outros.