Preâmbulo da correria
Hoje cedo fui escovar os dentes.
Percebi que descia pela pia
Esquivando-se da corrente,
Uma poesia, tão singela e principiante,
Que iria, veja só, diluir-se indefesa, rodopiante.
Rapidamente fechei a torneira,
Guardei a escova de dentes,
Limpei a beirada dos lábios
Com o dorso da mão à frente.
Afobado tentei daqui e dali,
Barrar o fio d'água,
Que no redemoinho
Roubava a minha poesia nascente.
Fiz concha com as mãos,
Cruzei os dedos como uma rede,
E lá estava ela quase inteirinha,
Preservada junto ao meu peito.
Por descuido da felicidade,
A última, somente a última palavra
Escapuliu e pelo ralo se foi,
Para o meu desespero.
A palavra fugidia
Dava razão àquela atitude frenética
De salvar um singelo sentimento,
Que ainda pela manhã
Em meu coração persistia.
A poesia recuperei,
E agora você pode,
Olhando em minhas mãos ainda em concha,
O pequeno poema recitar.
A palavra que se foi
No final ressurgirá
Pois, momento para vivê-la,
Não faltará.
Eis o poema:
Amanheceu. Que noite!
Depois de horas a fio trocando elogios
Sonhos quase proibidos, ressuscitados.
Espinhos na pele, retirados.
Meio envergonhado pela quebra
De promessas íntimas e juradas
Às voltas com a ética
Por uma bela rasteira aplicada.
Abro os olhos velados
Pelo sono afobado e forçado.
A ansiedade das possibilidades
Roubou-me a noite que seria de tranqüilidade.
Juras, muitas delas quebradas.
Agora, na maturidade,
Entendo que a verdade da vida
Tem, no amor, a sua poesia.
Bastam olhares sintonizados
Para que toda a freqüência da paixão
Faça ressurgir a Esperança,
Já banida do coração.
Vontade mastigar pimenta,
Chupar limão,
Procurar uma espinha,
Para arrancar com um beliscão.
Não venha me dizer que isto é...