DESENCANTO
Sou eu quem levantava cedo
Escutava e guardava segredo
Me fazia forte feito um rochedo
À ameaça de frio ou perigo
Amparava em ombro amigo
Agasalhava, lhe dava abrigo
E ainda assim, apontava o dedo pra mim (2)
Sou eu quem pagava o pato
Comia churrasquinho de gato
Abria as picadas no mato
Na sede buscava água no rio
Trabalhava horas extras a fio
Você pedia cem, emprestava mil
E ainda assim, apontava o dedo pra mim (2)
Sou eu quem arrumava a bola
Pros campeonatos da escola
Nas provas lhe passava cola
Viagem eu pagava a passagem
Ajeitava sua bagagem
Os presentes fazia a embalagem
E ainda assim, apontava o dedo pra mim (2)
Sou eu quem perdoava pecado
Ria e achava muito engraçado
Pedia açúcar ao vizinho do lado
Esquecia a chave eu abria a corrente
Preparava seu banho quente
Buscava remédio se ficasse doente
E ainda assim, apontava o dedo pra mim (2)
Sou eu quem enchia a geladeira
Carne e tudo o mais de primeira
No domingo corria pra feira
Levava pra passear o cachorro
Telefonasse pedindo um socorro
Disparava as ladeiras do morro
E ainda assim, apontava o dedo pra mim (2)
Sou eu quem não tinha preguiça
Atendia oficial de justiça
Tapeava, enchendo lingüiça
Trazia balinha de alcaçuz
Acendia vela se cortavam a luz
Montava presépio pro menino Jesus
E ainda assim, apontava o dedo pra mim (2)
Sou eu quem chegava com pão
Quando voltava da repartição
Pros problemas tinha solução
Garganta ardia tinha pastilha
Radinho eu trocava a pilha
Aturava as brigas da sua família
E ainda assim, apontava o dedo pra mim (2)
Sou eu quem perguntava o caminho
Aluguel eu pagava sozinho
Nunca lhe neguei um carinho
Nada entendi, quase perdi o juízo
Não explicou por que e partiu sem aviso
Agora quer voltar, no rosto um falso sorriso
Você quis assim, não temos mais nada afim
Não quero capim, no meio do meu jardim
Sua munição é festim, seu colorido nanquim,
Se quiser tome um gim, beba um chá de alecrim
Depois cai fora enfim, minha casa não é botequim
E se souber do meu fim, nem mande coroa pra mim