AMORFINA

viver numa falta de ritmos

com vácuo nas veias

e constantes arrepios

predando desvãos de retinas

e línguas malsãs

droga se é boa

necessárias palpitações engilhadas

caídas de espinhela:

nem toda luz é dia

se a mesa é farta de cores

lembranças tiram o gosto do giló

e rescendem melaço

cheiros espiralam no tutano

feito pião

quem provou viu que é bom

justifica a dor, arraiga

e permite sobrevidas de gatos

semeia verde até nos olhos

colhe tempestades

de gosto é impreciso

amorfina dilata vasos

entorpece sentidos

cura moléstias contraídas até à distância;

quem não leu tatuagens de árvores, ignora

espoca a jugular, sufoca, tensiona

coxa de moça ou maçã de rosto madura

bico duro e pelo

saliva, giro de língua, glúteos

contém gramas

e não existe dose letal

se o siso escapole, recompensa

o riso amaina e se a fome é leviana

esconjura

rouba o vôo dos pássaros

sê leve ao corpo que te recebe

23/10/97