I-CANÇÃO DA GUERRA

 

 


Silêncio....
Sem resposta, espera. Mas que coisa espera?
Transformado numa sombra maldita,
seguirá seu senhor, muito velho.
Não. Não pensa. Vive.
Luzes dessa noite numa ruína.
Mas que culpa... em que fim pensará?
E a roubar-me até a fala,
será a pena sermos apenas nós,
sentados nessa cadeira,
com as mãos apoiando a cabeça,
aguardando a sorte,
e o futuro que no profundo escuro dorme.

Sem sua lágrima, me diga você....
nada disso pertence ao tempo.
Plantou-se uma surpresa em cada contraponto.
Tão explosivo e oculto quanto artefatos humanos,
nas partes mais dolorosas do pensamento.

Em torno dessa mesa me assento.
O que é esse reino?
Uma cruz, uma estrada, uma lona de circo.
O que tenho à minha frente,
senão peixes eviscerados e órfãos
esperando de minha mão um afago?
E nem só de contemplar o infinito
se entende esse meu desapontamento.
E nessa noite, as estrelas não brilharão.
Não falarão de amor ou de compaixão.


Quem adentra essa casa?
Eu, que trago a noite.....
Imerso em tanto remorso,
impregnado pelo nojo.

Por um infeliz acidente de criação,
é que tudo foi feito assim.
Por tudo se sente a dor.
Dorme-se? Ninguém sabe...
E nem faz o grito a alteração do ar,
pois não reverbera nesse templo vazio.
Ficou tudo lá fora, com a guerra,
com as trincheiras imersas em futuros interrompidos.
Pior é não morrer, para ver abaixo da coroa que pesa,
o que foi feito de um reino sobre o insensato construido.
Não, não traga veneno ou objeto que perfure,
pois não há em mim uma sombra de piedade,
para tirar dessa vida aquele que está só,
esquecendo aos poucos o que foi algum dia ter liberdade.

Nem mais este alimento fortalece este corpo,
nem mais a fé sustenta a ilusão.
Confio apenas na mão que a cabeça apoia,
até que cerrem os olhos cansados,
para não mais verem o que se tornou a vastidão.
Vastidão de campos invernais e esterilizados,
pois tudo o que pela mão orgulhosa foi tocado,
quebrou-se, morreu e virou apenas passado.

Que mais, dessa terra, pode ser pilhado?
Nada, pois nada é minha herança, esse fardo.
E que pesando mais que meu reino de escombros,
acusa minha derrota, perante Deus e o diabo,
já que nunca escolhi nenhum dos dois lados.
Alguém me ouve, sem brado, apenas no pensamento?
Porque quem fala agora são os olhos,
aos poucos pelo nevoeiro tomado....
Em minha frente, o vinho, tão amargo.
Acabou-se o espanto, o desejo, é tudo já consumado.
Nunca este reino foi meu, de fato,
e aguardo sob o peso do manto, pelo sangue manchado,
aquele que por aqueles portais ainda de pé,
esta cripta adentrará, e com sua lança
o peito atravessará, para no esquecimento
eu ser mais um rei, sem nome, atirado.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 02/11/2012
Código do texto: T3965648
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