ANJINHO

I

Estava triste

Estava triste e não sabia

Não sabia por quê

Parecia não haver motivos

Se se observasse o externo daquele ser

Mas algo lá dentro me chamava

Estava noite

Noite quieta, conversa de anjos...

Sei lá o que!

Anjinho tão belo, tão doce

Águas que jorram nas pedras

Rios que deságuam no Mar

Eu olhava a mata ao longe

Sumindo, esmaecendo-se

E ao meu lado, árvores verdes

Verde esperança

Galhos secos, torrentes de saudade

Anjinho! Pedra das águas

Águas dos rios

Rios do Mar...

Teus olhos, anjinho...

II

Noite longa

Longa e fascinante

O movimento harmônico

Dos desejos

Uma girândola que invade as estrelas

Quieta!

Quieta a noite...

Tácita, calada

Silenciosa

Onde cantam os querubins

Os arcanjos e os serafins

E os céus se encontram com os mares

As nuvens espargem rútilos

Dardejantes raios de luz

Da luz negra dos urubus

Estava triste apenas

Estava triste a noite

Por quê?

III

O meu coração

Invade a janela

Meu coração bate em ti

Pulsante, explosivo

Envolvo-te, tomo-te para mim

Mas ainda não te possuo

Pois se te possuísse

Tudo estaria terminado

O ar, o fogo, restos cinerários

Inflamam e se esparramam

E eu que sempre te amei

Também sempre fugi

Desta hora em que o meu beijo solene

Te furtasse as raízes da fala

Tristezas nada!

Alegria nenhuma...

Saudade de que?

IV

Sei que chegou a hora

Anjinho! Tão doce, tão belo!

Eu preferia morrer

Preferia a morte a despertar-te

Do Sono da vida

Mas quem me levaria?

Queria os teus beijos de língua

Queria enxugar tuas lágrimas

Queria não ser abstrato

Não ser tua dor

Teu temor

Teu horror

E depois de alguns dias

Como os urubus na janela tua

A beber o teu sangue

E comer a carne crua

V

Teu espírito?

A Lua levou

O Sol enterrou

O Mar expirou

O céu o tragou

Anjinho!

Dorme em silêncio

Pois teu sono é uma paisagem

E teu despertar uma nova canção

Onde estão os arcanjos da noite?

Urubus vadios!

Serei eu?

Não! Gritarei e me ouvirão

“Olha que espírito belo

Que carne bela

Que princesa singela!”

Prendam-me até que amanheça o Dia

E o Sol te chame à Vida

À Vida, à Vida...

Estou cansado!

VI

Vem anjo! Faz de mim o ermo, o nada

Permita-me o ser, por amor desta bela

E então os meus olhos brilharão neste céu

Junto aos anjos da noite

À causa desta tua meiguice

Que livra da noite o abstrato

Eu! Liberdade?

Mas estava triste

E não sabia por quê

Agora vejo que as árvores

Estão mais verdes

Que a aurora vem te receber

Receba-me tu no alvorecer

Para que seja teu desejo

Eu, que sempre fui tua sombra

Baterei à porta

Eu, o contrário, o louco demente

VII

Anjinho!

Um dia voltarão para me buscar

Irei à noite soturna, aos poucos te deixando

Mas não serás uma triste princesa

Porque agora te possuirei

Serei teu desejo concreto

Teu amor, teus abraços, tua loucura

Teus beijos, teu sexo

Desperta, anjinho!

Não vês o Dia que vem raiando?

Tal será a dor desta tua agonia

Para que eu viva

Vivendo em teu amor

Até o Dia em que as sombras voltem

E eu volte a ser Noite

A viver minha Morte

Longe de ti...

VIII

E quando voltar

A escuridão invadirá o Dia

E tua carne velha e morna

Tornar-se-á gelada

Então soprarei sobre tua face

E pelas mãos tomarei

Minha jovenzinha

Dançaremos nosso último tango

Nossa última valsa

Falaremos do nosso amor

Da nossa despedida

De como teu carinho fez de mim certa vez

A forma do amor

Então deixarei e tu irás

A encontrar-se com a eternidade

Eu permanecerei aqui.

Esperando...

Esperando...

Outros prantos, outros adeuses

Serão flores, eflúvios de rosas

Mas a noite continuará triste

Triste. Triste apenas...

jairomellis
Enviado por jairomellis em 27/02/2007
Código do texto: T395672
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