Letícia
Tarde de chuva
agosto
Brilha de luz o asfalto
Os carros passam
Espero.
Guarda-chuvas
escondem problemas.
Ela desce do táxi
Cabelo curto
como de rapaz,
Loira como trigo.
Capa de chuva
Curta até os joelhos
Botinhas pretas.
Caminhamos
cinema.
Ela chorou com Jean Louis Trintingnat,
Eu emocionei com Annouk Aimeé...
Depois, à avenida...
Bar,
dois cafezinhos;
Nos entendemos.
Meu quarto
Conversamos, rimos,
Cautela de primeira vez
Nos amamos.
Sofremos a dor
Virgindade perdida.
Felizes aquela tarde
Um amor lindo
A chuva na vidraça.
Choramos,
tempo curto,
O relógio teimava por correr.
.......................................
Uma tarde igual
O telefone tocou
Seu irmão disse
–Sua doença é fatal.
Três meses no máximo.
Novembro terminava
e aconteceu.
A leucemia levou minha Letícia
E deixou esta pedra
Aqui onde estava antes
meu coração.
Por isso, em agosto,
Nunca vou a Montevidéu.
Por isso,
Nas tardes em que a chuva
bate na vidraça,
Bebo, choro e lembro;
Da época em que era feliz.
Agosto, 1973.
Antwerp, Bélgica.
*******
Páginas da Memória - Livro Inêdito.