EM FOGO AZUL & MAIS

EM FOGO AZUL I (26 SET 12)

O VENTO AZUL QUE SOBE DESTA CHAMA,

COMO A ALMA VOLUPTUOSA DA FOGUEIRA,

CONSTITUI A MEMÓRIA TODA INTEIRA

DO ANTIGO SOL, CUJO CALOR PROCLAMA.

COMO PODES SABER SE O ASTRO AMA

A FLORA VERDE QUE GEROU ESSA MADEIRA

OU O FOGO QUE A CONSOME DERRADEIRA

OU O FLÉBIL ESPLENDOR DESSA SUA CHAMA?

COMO SABES SE O GERAR DESSAS VOLUTAS

INDICA MAIS QUE O SOPRO DE UM MOMENTO,

COMO SABES SE AMOR O SOL COMPORTA?

COMO SABES QUE O VENTO QUE HOJE ESCUTAS

NÃO É O MESMO A PRESIDIR TEU CREMAMENTO

OU COM TUA CHAMA AZUL ENTÃO SE IMPORTA?

EM FOGO AZUL II

A CHAMA AZUL QUE BROTA DE TEU PEITO,

QUAL VOLUTA VOLUPTUOSA DE PAIXÃO,

TRAZ AS MENTIRAS DE TEU CORAÇÃO,

DESVANECIDAS DE QUALQUER DESPEITO.

COMO PODES SABER SE TENS DIREITO,

APÓS A FLAMA, A MAIS LONGA DURAÇÃO

OU SE O CORPO ENCADEADO EM TEU CAIXÃO

CONSERVA QUALQUER SONHO SEM DEFEITO?

COMO SABES SE TUA VOZ IRÁ NO VENTO,

PARA OUVIDOS DOS FUTUROS ASSOMBRAR

OU SE CONSOME JUNTO COM O PULMÃO?

COMO SABES SE TUA CHAMA TEM ASSENTO

EM QUALQUER POUSO DO COSMOS MILENAR

OU SE LIMITA À SUA FINAL EXALAÇÃO?

EM FOGO AZUL Iii

HÁ VELHO AFORISMA DA FILOSOFIA ZEN:

AONDE VAI A CHAMA QUANDO O FOGO APAGA?

DESSA VOLUTA DE FUMAÇA A SAGA

SÓ SE DISSIPA PELO AR TAMBÉM...?

E QUE FAZ O DESERTO, QUANDO VEM

A INUNDAÇÃO QUE A TERRA INTEIRA ALAGA?

QUE FAZ A PLANTA QUANDO O PÉ A ESMAGA,

PARA ONDE O AZUL QUE O GELO HOJE CONTÉM?

TÃO INTANGÍVEL QUAL RAIO DE SOL,

ESSE FUMO RETILÍNEO DE UMA ESTRELA,

SOBE A FUMAÇA ANIL, EM DANÇA ANTIGA,

SECA O DESERTO NO PRÓXIMO ARREBOL,

O AZUL DO CÉU NO VIDRO SE CONGELA

E LUTA A PLANTA ATÉ BROTAR CONSIGA.

EM FOGO AZUL IV

O SOL ANTIGO TRANSFORMA-SE EM MADEIRA

E A MADEIRA LIBERA O ANTIGO SOL,

QUANDO LHE CHEGA DA TOCHA OUTRO FAROL

E A CHAMA AZUL A CONSOME POR INTEIRA.

E SOME ASSIM A VOLUTA DERRADEIRA

NO CÉU AZUL SE PERDE O ANIL ANZOL.

GUARDA A FUMAÇA DA ALMA O CACHECOL

SE A EXPIRAÇÃO SE EXALA, CORRIQUEIRA?

TODO O CALOR NO ESPAÇO SE DIFUNDE,

SEGUNDO A LEI TERMODINÂMICA DA ENERGIA.

DE MODO IGUAL A EXALAÇÃO QUE SE ESVAÍA

EM SUA ÚLTIMA UMIDADE O CÉU CONFUNDE

E CADA SONHO SE FAZ EM NUVEM CALMA,

ENQUANTO O FOGO QUEIMA UM RESTO DALMA.

HELENA CAPRICHOSA I (27 SET 12)

O que teria acontecido, se tivesse

a mulher mais formosa nos meus braços?

Inda que em breve instante, poucos laços

nos tivessem encadeado nessa messe?

O que teria acontecido, se estivesse

realmente enamorado de seus traços?

Se não fossem somente outros “amassos”,

como hoje se diz, em vulgar prece...?

Eu guardaria para mim, talvez,

uma lembrança singular de glória...

Mas seria para ela só um retrato,

na galeria do amor de uma só vez...

Porque a mulher mais formosa em toda a história,

só me amaria em sua falta de recato...

HELENA CAPRICHOSA II

Não se trata de qualquer menos-valia:

embora não tenha, de fato, algum defeito,

nunca fui rico, nem da fama tive o jeito,

sempre enleado em minha própria fantasia.

E eu sei que tantas divas que se via,

ou “musas”, como as chamam por despeito

ou por real admiração, ao leito

conduzem mais quem melhor lhes serviria.

Embora, às vezes, no embalo do capricho,

escolham um qualquer, para uma noite.

Não alimento esse tipo de ilusão...

Sei muito bem ser um amante micho:

mais por desprezo seria o seu acoite,

que por impulso de seu coração.

HELENA CAPRICHOSA III

Contudo, se assim mesmo me aceitasse,

que desempenho então eu mostraria,

vendo na mente a multidão que ria

desses quantos já possuíram a mesma face...?

O que eu teria, afinal, se me entregasse

o fruto de seu corpo, em fantasia?

Seria o amor não mais que uma ironia,

gélido hálito que no rosto me soprasse...

Ou ainda veria, em suas pupilas,

as imagens dos rostos do futuro

e o gosto de outros homens em sua boca.

Apenas um em pé, nas longas filas

de quantos buscam seu amor perjuro

e se desfazem em ânsia quase louca...

a música da vida I (28 set 12)

diz uma lenda de sabor antigo

que após o barro ter moldado Deus,

na figura do Homem, os anjos seus

cantar vieram desde o eterno abrigo.

como foi esse canto mal consigo

imaginar nos sonhos mais sandeus...

talvez o possas escutar nos sonhos teus

e nesse dia, quero estar contigo,

pequeno anjo, com asas de memória.

porém a lenda afirma que somente

após o canto dos anjos surgiu vida,

que o homem respirou, surgiu a história,

com todo o luto e prazer subjacente

a que esse canto angelical convida.

a música da vida II

também nos contam as Santas Escrituras

que veio um coro sobre a vila de Belém,

a vida nova a salmodiar também

sobre o menino que, em palhas impuras,

seria o Filho de Deus, que mil agruras

teria de sofrer, por nosso bem;

e nesse coro, a mensagem que nos vem

informa a glória de Deus sobre as alturas.

porém se a música nossa vida concedeu,

precisava de tal música o Menino

deitado quieto sobre a manjedoura?

será que a forma humana apenas deu

a Majestade, em seu poder divino,

enquanto é a melodia que nos doura?

a música da vida III

antigamente, muito se falava

na música de esferas celestiais

e se percebe nos “quantuns” imortais

que a mesma vibração se revelava.

lá dos extremos do universo se incitava

e orienta ainda nos vácuos harmoniais

o mesmo âmbito de frequências siderais

que como música das esferas se chamava.

(não me corrijam. de “quantum” o plural

sei muito bem que é “quanta”, em saltos de energia,

porém não soa igualmente musical...)

cantam os anjos sua eterna melodia

e nasce um deus na esfera terrenal,

igual que o homem do barro então surgia...

O CANTO DA SEREIA I (29 SET 12)

Sempre há perigo no canto da sereia;

é de conhecimento comum um tal percalço;

seu canto belo é da pureza falso,

não mais que um risco musical que enleia.

Sempre há perigo no amor que te incendeia;

não obstante, lhe corres ao encalço,

buscando nos rochedos fado salso,

que o mau destino é sempre sorte alheia...

E nessa busca gerada por paixão

a mansa areia não se encontra em cada ilha,

e mesmo a praias se arriba raramente.

Busca a sereia o marinheiro, em vão;

busca tua alma da paixão a armadilha,

enquanto a sorte te fere, indiferente.

O CANTO DA SEREIA II

Que amor existe de permanência ou de paixão.

Um não te leva aos páramos da glória.

mas o outro é maravilha feita escória;

um te domina com plena convicção

enquanto o outro se pondera ao coração,

com um laivo de tristeza merencória;

paixão revolve as nuvens, transitória,

amor se aninha aos poucos na emoção,

porque a paixão que te queima, toda inteira,

avassaladora que ainda te pareça,

não se destina a durar mais que um instante;

após gozada, se queima, alvissareira;

mas se perdida, não há como se esqueça,

em sua ilusão de um sonho delirante.

O CANTO DA SEREIA III

Porém vale bem mais ter na memória

que esse fulgor a brilhar em cintilância,

quanto mais forte, maior sua inconstância:

paixão perdida em mácula vibrante,

que não passa de episódio em tua história,

uma efeméride fugaz, sem substância,

enquanto amor verdadeiro é expectância

que cresce aos poucos, singela, mas constante.

Vês esse amor que dia a dia aguarda

e até pensas adiá-lo ser possível;

gozar primeiro a paixão mais exaurível

que perante teu olhar bem pouco tarda...

Queres primeiro o canto da sereia,

cálido banho que a alma te incendeia...

O CANTO DA SEREIA IV

Contudo ocorre que acaba todo o canto

e logo azeda como aberto vinho;

enquanto amor é feito de azevinho

e escorre docemente o seu encanto.

O canto acaba e permanece o pranto,

enquanto o verso se redige de mansinho

e se pode reler, com mais carinho,

na igual medida que aconchega o manto.

E assim se pensas poder amor adiar,

por teres tempo no escoar futuro,

do vero amor tua ânsia menoscaba.

Que o tempo inteiro capricha em deslizar

e logo escorre de teu peito, impuro...

O amor espera... mas teu tempo acaba.

HELENA FECUNDADA I (30 set 12)

O que eu faria, se algum dia tivesse,

Entre meus braços, a mulher mais linda

Que viveu sobre a Terra, nessa infinda

Exultação da magia de uma prece?

O que faria eu, quando estivesse

No fundo de seu ventre, nessa vinda

Ao prélio antigo, à luta que nos brinda

A própria natureza que nos desce

A este mundo e a novas criaturas

Leva a gerar, sem dó e sem piedade?

O que faria eu, se fecundasse

Essa mulher tão bela... e vozes puras

Se alçassem nesse coro de vaidade,

Mas sem que a ela jamais eu dominasse?

HELENA FECUNDADA I I

O que eu faria, perante a multidão

De todas as donzelas desta Terra,

Todos os úteros que a superfície encerra,

Apressurados em coortes de paixão?

O que faria, se a um aceno de minha mão,

Todas as vestes que a virtude encerra

Se espalhassem no solo, em mansa serra

E se entregassem à minha pretensão?

O que eu faria, perante a imensa fila

De todas as Helenas disponíveis

Na empreitada desta fantasia?

Na posse plena da mulher de argila,

A escolher para meus grãos imperecíveis,

Quais as Helenas que então acolheria?

HELENA FECUNDADA I II

Vamos supor que eu fosse desejado,

Não por mim mesmo, mas pelo potencial

De meus genes, em sua forma natural

Ou artificial, por um coro entusiasmado?

Que então meu sêmen fosse retirado

Por um qualquer processo material

E fosse usado como manancial

Em cada ventre assim selecionado?

Isso é possível hoje, realmente.

Existem bancos de esperma e doação;

Já foi pedida a muitos, outrossim,

Que conservada fosse a sua semente.

Embora até hoje tal cessão

Nenhuma clínica solicitasse a mim...

HELENA FECUNDADA I V

Seria esta certamente a alternativa

Bem menos cansativa que uma orgia...

E falando francamente, preferia

Do que servir à procissão altiva...

Talvez quisesse uma Helena rediviva,

Mas minha vida certamente gastaria

E meu ideal em pesadelo tornaria,

Caso minha vida fosse ao sexo cativa...

São dessas coisas que parecem sonho,

Mas todo homem já nutriu a fantasia

De se tornar o último na Terra...

Sem perceber como seria medonho

Ser ordenhado como vaca que mugia,

Até a última gota que ele encerra...

A ÚLTIMA HELENA I (1º out 12)

De novo, a sensação de ter nos braços

a mulher mais bonita deste mundo...

Por quem escrevo versos, gemebundo,

como se fossem torturas os escassos

momentos de magia, os embaraços

de ter comigo, em momento tremebundo,

o estranho amor pelo qual eu me contundo

e lambo minhas feridas e trompaços...

Na verdade, é o amor que a torna bela

por mais formosa que o seja, na verdade,

essa mulher de espírito profundo.

Beleza existe em mim mais do que nela.

É meu amor que a transforma, sem vaidade,

nessa mulher mais linda deste mundo...

A ÚLTIMA HELENA II

Que se afaste de mim, então, Helena!

Há muitos anos traduzi-lhe a história,

queimada em chamas a derradeira glória,

gota de sangue em talho de verbena...

De Helena já cantei a final pena

e me recuso à nova lira transitória;

sou citaredo a descrever a escória

dessas ruínas antigas que envenena...

Por que então Helena me persegue

em novos versos, em plumas de sonetos?

Eu nunca a desejei, mesmo a mais bela,

embora a sombra do pejo ainda me regue

e me conduza a retomar projetos,

maugrado meu, que pertencem só a ela...

A ÚLTIMA HELENA III

Canto de Helena por estar preso à corrente,

grilhão da raça que à muralha, firmemente,

me prende e em calabouço me conserva,

escravo e prisioneiro permanente...

Igual que os ancestrais, provei da erva

e me tornei o trânsfuga da serva,

água de angústia bebi, frequentemente,

pura lixívia que em meu peito ferva...

Pois Helena é a mulher por excelência,

que me contempla, em leve parpadear,

por um instante apenas, a passear...

Que me reduz inerme, em impotência,

sem que consiga a seu apelo recusar,

encadeado no fulgor da incontinência...

A ÚLTIMA HELENA IV

E em cada olhar encontro um grão de poeira

da antiga ossada que a Helena pertenceu;

em cada ventre que amor me concedeu

algo desliza dessa beleza inteira...

E assim vejo, na mulher interesseira.

a ambição que de Helena descendeu;

e em cada jovem sincera se escondeu

a sua magia transitória e hospitaleira...

Não fui Páris, Deifobo ou Menelau

e a mesmo tempo em mim ainda persistem

esses amantes de um destino mau.

E as esperanças de um meigo desatino,

até o presente, no peito não desistem,

que desde a infância forjaram-me o destino!

SUMÁRIO I (2 OUT 12)

Canta a sereia em avidez de luz,

no verde mar que o infinito alcança;

a musa canta sobre a areia mansa,

a diva entronizada ainda reluz...

E das feridas o nauseabundo pus

se congela como lâmina de lança,

coagulado em anêmona esperança,

alçado aos cravos da moribunda cruz.

O que quer essa sereia, assim, comigo?

Desejo nela me afogar, na hora

que de seus lábios ressumbre tal convite.

E meu próprio castigo então persigo,

a lamentar-me até dessa demora

com que me destruir ainda hesite.

SUMÁRIO II

Será a sereia maligna qual dizem?

Só a buscar arrastar às profundezas

as vítimas seguras de incertezas,

os marinheiros a quem vagas alisem?

Será Helena as dunas em que pisem

meus pés revoltos de tantas madurezas,

meus lábios ávidos de tornar-se presas,

meus ossos que em ruínas brancos gizem?

Sereia Helena... Será apenas solitária,

sem querer malfadar a quem a busque,

como a afogada de feroz abraço?

Nessa ilusão de íris multifária,

que por instantes qualquer estrela ofusque,

no voluntário lançar-me no seu laço...?

SUMÁRIO III

Será Helena assim o meu fadário?

Sou eu que nela busco afogamento,

enquanto ela é tão só o deslumbramento

de ter nos braços a vida em seu sacrário?

Será a sereia das ondas o sudário,

renascimento no mesmo alumbramento,

sepultamento salgado de um portento,

o resplendor de um abraço caritário...?

Canta a sereia e a escrever me esforço,

mas suas palavras mal posso captar,

chegam mais rápido que as posso redigir.

E então me afogo apenas no remorso

dos níveos braços de Helena me afastar

e com meus próprios esgares me iludir.