O corvo
 
(Estava em Trois Rivieres no Canadá e ouvia o corvo grasnar toda manhã, como estivesse a me provocar e resolvi dialogar com ele, sem pretender  me igualar a Edgar Allan Poe.)
 
Na manhã nebulosa e friorenta,
O grasnado da ave agourenta,
Era tudo o que sentia os meus ouvidos.
Ela estava ali, bem perto e provocante,
Com sua negra penugem e cantante,
Desafiava incessante meus sentidos.
 
Oh, corvo, que estás no alambrado,
A me atentar com seu irônico grasnado,
Afinal, o que queres me dizer?
Estou aqui, cansado desta lida,
Já bem perto, em véspera de partida,
Vieste me dizer que vou morrer?
 
A morte, com certeza, é o desfecho,
 Pra todos aqueles que chegam neste trecho
Sem retorno da vida, e não podem escapar...
Mas, oh, corvo, amigo confidente,
Mesmo velho, ainda estou contente,
Com a vida que levo e vou levar.
 
No percurso, perdi a companheira,
Que me assistiu com carinho a vida inteira,
E reclamei com a vida: - isto não se faz!
Mas a vida me disse, vá, prossiga,
Não se abale com uma causa antiga,
Vá em frente, e deixe o passado para trás.
 
Assim, vou te dizer, oh, corvo, amigo,
Não aceitarei, agora, ir contigo,
Porque ainda tenho versos a recitar...
E meus versos, alegres, são de amor,
Não falam de passado ou de dor,
Só falam do que ainda vou amar!